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31/03/2013 - 15:19:29

OPINIÃO

Segurança pública e papel das polícias civis

Fábio Scliar defende o protagonismo do delegado de polícia na condução do inquérito, como peça fundamental do sistema criminal

  • Revista Prisma
  • Fábio Scliar

   

Muito se fala de segurança pública em tempos em que sua deficiência é sentida por todos nós, suscitando intensos debates a seu respeito em uma discussão plural que envolve profissionais de diversas categorias, como sociólogos, cientistas políticos e quem mais se dispõe a apresentar soluções ou simplesmente criticar o estado da arte atual sobre o tema.
Por sorte são poucos os atores que não compreendem que a discussão pertence a todos, e não apenas porque é um problema que aflige a sociedade por inteiro, mas também por conta de uma confusão acerca de qual segurança pública está em debate, ou se é de fato a segurança pública que está sendo debatida.
Evidentemente se a discussão parte de uma premissa equivocada a conclusão também o será.
 Precisamos saber com precisão se o que se quer debater é a Ordem Pública, a Segurança Pública em uma de suas várias acepções (inclusive a constitucional), ou o sistema que abrange esses aspectos, sob pena da obtenção de resultados infrutíferos ou distorcidos que ao invés de contribuir para a melhoria da situação apenas a pioram.
Ao final dessa curta digressão, cujo objetivo é identificar conceitos de segurança pública e outros aliados a ele, será possível afirmar o verdadeiro papel das Polícias Civil e Federal e a real posição do inquérito policial em nossa Ordem Jurídica.
Outra confusão corriqueira que precisa ser desfeita é o nome pela qual são chamadas as Polícias Civis e Federal. É que ambas tomam o apelido de Polícia Judiciária quando essa designação se aplica apenas a uma das funções que exercem, porque na verdade funcionam mais como Polícias de Apuração de Ilícitos Criminais, como se verá abaixo. Por outro lado, se ambas não são militares, evidentemente são civis, termo que utilizaremos para identificar a Polícia Civil da União e as Polícias Civis das unidades federativas.
Antes de prosseguirmos na busca da inteligência do artigo 144 da Constituição e sua consequente repercussão na ordem jurídica, cabe conhecer o conceito de segurança pública em sentido amplo, e para tanto vamos nos valer da lição de Diogo Figueiredo que, utilizando a teoria dos sistemas, situa o assunto no que chama de “sistema de convivência social” e identifica respectivamente a ordem pública como o pressuposto funcional deste sistema, ou seja, o conjunto de princípios e normas que o regem e a segurança pública como o processo homeostático deste mesmo sistema, isto é, a atividade por meio da qual se pretende preservar o sistema de convivência social.
Vale a pena transcrever a lição do mestre para melhor compreensão:
“Sistema de Convivência Pública
Para convergirmos ao tema de nosso estudo deve-se partir também, de um sistema social específico: o sistema da convivência pública, que será conceituado substantivamente para que se possa analisar sua organização e sua ordem características e, a partir daí, chegar-se à segurança pública, como conceito adjetivo”.
“Na acepção sistêmica, a ordem pública é o pré-requisito de funcionamento do sistema de convivência pública. Não só ele contém no polissistema social como é imprescindível a seu funcionamento, uma vez que viver em sociedade importa, necessariamente, em conviver publicamente.
................................
No sentido formal, ou normativo, a ordem pública é um conjunto de valores, de princípios e de normas que se pretende devam ser observados numa sociedade, impondo uma disposição ideal dos elementos que nela interagem, de modo a permitir-lhe um funcionamento regular e estável, assecuratório da liberdade de cada um.”
Em termos de teoria geral dos sistemas, o problema está, pois, em assegurar dinamicamente a ‘disposição harmoniosa’, que vem a ser o equilíbrio do sistema. Dá-se-lhe o nome de homeostasia: um conjunto de processos que devem atuar para manter a estabilidade do sistema pela prevalência de sua ordem, a despeito das perturbações de qualquer natureza.
Segurança Pública como conjunto de processos homeostáticos da ordem pública.
...............................
Conceito de Segurança Pública
Esta, também, é a razão pela qual, sinteticamente, definimos a segurança pública como a garantia da ordem pública, e expus ser esta o objeto daquela, no artigo inserto na coletânea Direito Administrativo da Ordem Pública.
Por isso concluímos que segurança pública é o conjunto de processos políticos e jurídicos, destinados a garantir a ordem pública na convivência de homens em sociedade.
Em termos de funcionalidade homeostática, a segurança pública é o conjunto de estruturas e funções que deverão produzir atos e processos capazes de afastar ou eliminar riscos contra a ordem pública.”

Portanto, em sentido amplo, é possível vislumbrar aspectos de segurança pública em atividades como urbanismo, saneamento, educação, saúde etc. E é por isso que além do aspecto democrático de que qualquer um pode participar dos debates acerca do tema, é preciso reconhecer que profissionais das mais diversas áreas estão legitimados academicamente para apresentar seus pontos de vista.
Mas o conceito jurídico-constitucional do que seja segurança pública em sentido estrito, inegavelmente foi fornecido no dispositivo antes mencionado, porque é evidente que ao abrir um capítulo denominado “Da Segurança Pública”, e composto de apenas um artigo, o texto constitucional está estabelecendo o que seja esta atividade.
Enfim, segurança pública para a Constituição de 1988 é: a atividade desempenhada pelos órgãos que ficaram enumerados no art. 144 da Lei Maior.
Ocorre que o mesmo artigo, como se viu, enumerou as atribuições dos órgãos ali elencados, cometendo às Polícias Civis a atribuição da investigação criminal, que é por isso, atividade de segurança pública em sentido estrito.
Por outro lado o art. 129, que trata das atribuições do Ministério Público, ao mencionar o inquérito policial, institucionalizou esta forma de investigação policial, vinculando as Polícias à sua utilização na investigação criminal.
Pode-se concluir por conseguinte que a investigação criminal, que é sempre realizada por meio do inquérito policial é atividade de segurança pública em sentido estrito por excelência.
Esta constatação simples confirma a autonomia do inquérito policial em relação ao processo criminal, e por isso o inquérito não é apenas fase pré-processual ou preliminar do processo criminal, ele é antes de tudo atividade de segurança pública em sentido estrito exercida pelo Poder Executivo, e apenas eventualmente será também, quando houver denúncia ou queixa, aquela fase inicial do processo criminal.
É possível afirmar ainda que as atividades do Judiciário e do Ministério Público na instrução processual criminal também são atividades de segurança pública, mas sempre em sentido amplo, pelo simples motivo de que não estão incluídos no artigo 144 da Lei Maior.
Nesse ponto é conveniente dirimir a dúvida que se põe na doutrina acerca da diferença entre a apuração de ilícitos penais e as atividades de polícia judiciária.
A relação entre elas é de continente e conteúdo porque a primeira é o gênero que designa toda a atividade investigativa das Polícias, sempre por meio do inquérito policial, ao passo em que a segunda acontece apenas no decorrer da instrução processual criminal, isto é, uma vez que haja denúncia ou queixa recebida. Nestes casos, estipulou o legislador constituinte qual Polícia deve atuar junto ao Judiciário, coisa que aliás raramente acontece, porque cada vez mais as providências que deveriam ser tomadas em sede judicial, debaixo dos princípios do contraditório e da defesa de forma ampla, são transferidas para as delegacias, que se possuem estrutura para investigar, não possuem nem de longe a estrutura cartorária e burocrática das Varas Criminais, até porque não é para isso que elas existem.
Embora não seja esse o nosso tema, devemos mencionar que essa política de transferência faz com que os delegados tenham que realizar um trabalho que é dos juízes e ainda por cima levem a fama por serviços lentos, justamente porque não é para isso que estamos preparados, mas tão somente para investigar até um determinado nível de cognição que é o sumário, característica fundamental do inquérito policial.
Claro que é muito mais fácil para o Ministério Público produzir provas no inquérito policial, onde os envolvidos não tem os mesmos direitos que na instrução processual, nem o advogado pode agir com a desenvoltura que age no processo criminal.
Mas o delegado não está trabalhando para acusar ou absolver, ele é figura imparcial que age no interesse da descoberta da verdade até determinado nível de conhecimento, o que robustece o seu papel como ator da segurança pública.
Há quem afirme ainda que as Polícias Civis não tem exclusividade na atuação da investigação criminal porque o legislador constituinte distinguiu estas atividades em dois momentos: o primeiro quando no inciso IV do artigo 144 afirmou que a Polícia Federal exerceria com exclusividade as funções de Polícia Judiciária da União e o segundo, quando ao tratar das Polícias Civis strictu sensu no §4º do art.144 disse que caberia a elas as atividades de “policia judiciária e apurações de ilícitos penais”.
Argumenta-se também que a exclusividade das polícias civis seria apenas quanto a função de polícia judiciária porque, quanto a esta o constituinte mencionou a exclusividade no inciso IV do dispositivo supracitado, não havendo motivo para tratar diferentemente a Polícia Federal das Polícias Civis dos Estados, mas quanto a apuração dos ilícitos criminais, não inseriu o termo exclusividade ou privatividade.
Ora, já está claro que, quanto à apuração dos ilícitos criminais, não havia necessidade de repetir nos parágrafos e incisos aquilo que o caput do dispositivo já havia deixado alinhavado: que a investigação criminal, enquanto parcela da atividade de segurança pública em sentido estrito deve ser desenvolvida apenas pelas Polícias Civis através do inquérito policial conforme ficou demonstrado acima.
É por esses motivos que a investigação criminal só pode ser levada à efeito pela Polícias civis, sem deslembrar que no artigo 144 o constituinte estava distribuindo as funções da persecução criminal em obediência ao princípio republicano, de acordo com o princípio da separação de poderes e seu consectário sistema de freios e contrapesos, sendo por isso materialmente constitucional.
Tomara que o Congresso Nacional restabeleça a verdade das coisas.

 


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