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30/06/2012 - 12:45:00

ENTREVISTA

"O Brasil precisa mostrar que não é tolerante com o crime organizado e a corrupção"

Para o novo presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, é imprescindível aprovar um conjunto de leis que dotem as polícias de ferramentas investigativas capazes de enfrentar as sofisticadas organizações criminosas da atualidade. Nesta entrevista à Prisma, Marcos Leôncio Sousa Ribeiro aborda esse e outros assuntos polêmicos, sem se esquivar de nenhum tema.

  • Revista Prisma
  • Vanessa Negrini

   

|ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. As organizações criminosas como se fossem empresas é uma das novidades dos tempos modernos, que torna mais difícil o seu combate. O caso Carlos Cachoeira investigado nas Operações Vegas e Monte Carlo é emblemático desse novo estilo de crime. Até ser descoberto, Cachoeira era tratado como empresário. As investigações da Polícia Federal depararam com um esquema sofisticado, com diversas ramificações e capacidade de influência em governos e infiltração no Estado. Combater tal realidade implica uma modernização de métodos e ferramentas que não estavam previstas quando foi criada a maior parte das leis e códigos que tratam da atividade criminal no país.

As leis, assim, precisam ser revistas para que se tornem capazes de atacar essa nova realidade. Temos um conjunto de leis tramitando no Congresso Nacional que são fundamentais para o trabalho da Polícia Federal. Um desses projetos é o PL-6578, pois traz modernas técnicas de investigação imprescindíveis para lidar com o alto grau de sofisticação das organizações criminosas atuais. A aprovação dele conjuntamente com a nova lei de lavagem de ativos é uma sinalização positiva inicial de que o Brasil não é tolerante com o crime organizado e a corrupção.

|AUTONOMIA DA PF. A Polícia Federal é uma instituição de Estado e não de governo. Inclusive, muitas vezes, seu trabalho a leva investigar integrantes do próprio governo. Os conflitos são inevitáveis. Para garantir que a instituição possa realizar seu trabalho com tranquilidade, sem sofrer retaliações, a legislação precisa dotar a Polícia Federal de autonomia. Hoje, a Polícia Federal tem que conviver com seguidos cortes no orçamento e contingenciamento, o que acaba afetando o planejamento. O diretor-geral da Polícia Federal não tem mandato e não há sequer uma regra que garanta que o cargo seja ocupado por um membro da instituição. É inadmissível que a Polícia Federal até hoje se ressinta de uma lei dispondo sobre a sua organização e funcionamento, que assegure e preserve prerrogativas e direitos durante a investigação criminal. Não  se pode imaginar uma polícia verdadeiramente republicana regrada por decreto presidencial e portaria do Ministro da Justiça.

|POLÍCIA JUDICIÁRIA versus MP. O Ministério Público (MP) foi uma das instituições que mais saíram fortalecidas da Constituição de 88. Nenhum MP no mundo tem tanto poder quanto o brasileiro. A história nos mostra que quem detém poder e não tem rigoroso controle pode naturalmente cometer abusos. Por isso, sabiamente, o constituinte previu um sistema de freios e contrapesos para evitar abusos e proteger os direitos dos cidadãos. Assim, no Brasil, o MP não pode realizar investigações criminais autônomas. Esse trabalho é feito de forma isenta, imparcial e técnica pelas Polícias Judiciárias. O promotor, no Brasil, é a parte interessada na acusação. Admitir que o promotor produza a prova é aceitar que essa prova foi produzida no interesse da acusação. Como teremos o equilíbrio entre acusação e defesa se a prova foi feita pela acusação? Num sistema justo, a Polícia Judiciária busca a verdade, que não tem interesse nem na acusação nem na defesa, é quem deve produzir a prova. Ademais, como é possível admitir uma investigação pelo Ministério Público sem qualquer previsão legal sobre o procedimento, os limites e o controle dessa atividade?

|PEC-37. A PEC-37 – a PEC da Cidadania – foi apresentada com o objetivo de deixar claro o pensamento do constituinte de 88. O Ministério Público não pode realizar investigações de forma independente. Se ele já é o titular da ação penal e o fiscal da atividade policial, não precisa também exercer essa atividade de investigação, devendo atuar de forma complementar e suplementar ao trabalho da polícia judiciária. Não é verdade que a PEC-37 queira diminuir as atribuições do Ministério Público. A proposta só aborda os órgãos de segurança pública, contidos no art. 144 da Constituição; a PEC-37 não aborda o art. 129, que trata do Ministério Público, nem os dispositivos que fala de CPI. A PEC-37 não vai eliminar o controle externo do MP, não vai eliminar o poder de requisição do MP, não vai eliminar o poder da CPI e vai coexistir de forma harmônica com todas as demais regras constitucionais vigentes.

|GRANDES EVENTOS. É preciso atenção ao movimento que o Exército brasileiro está realizando nos bastidores da República para assumir a coordenação da segurança pública nos próximos grandes eventos. Esse modelo traz consigo o risco de não deixar legado aos órgãos de segurança pública. Quem acompanhou os Jogos Militares e a RIO+20 sabe que os recursos aplicados não ficaram no Rio de Janeiro. As Polícias estaduais, Corpo de Bombeiro, Defesa Civil, Órgãos de Trânsito, Guardas municipais e as Polícias Federais foram simplesmente esquecidos. Os recursos foram completamente absorvidos pelo Exército. Uma semana depois da  RIO+20 a população carioca já reclamava pelo desmonte do aparato de segurança do evento. Não ficou legado algum. Não é esse o modelo de segurança pública que a sociedade precisa. Ademais, dentro de uma normalidade democrática, um país que deseja ser referência mundial sinaliza muito mal com o emprego das Forças Armadas em substituição aos órgãos regulares de segurança pública. Algo impensável nas nações mais desenvolvidas, repudiado pelas organizações internacionais que promovem a Copa e a Olimpíada.

|INQUÉRITO POLICIAL. Para aprimorar a tramitação do inquérito policial, a Polícia Federal precisa atualizar suas normas internas. A Instrução Normativa 11, que regulamenta como se faz a atividade de Polícia Judiciária e se desenvolve os inquéritos, precisa ser modernizada e atualizada dentro de dois conceitos: inovação tecnológica e seletividade na investigação. Nesse sentido, projetos como o E-POL, que possibilita a tramitação eletrônica do inquérito policial, devem ser priorizados e a instituição precisa desenvolver modelos e práticas de seletividade nas investigações. Precisamos de uma instrução normativa que priorize a tramitação mais dinâmica e menos burocrática. Devemos combater a cultura da burocracia, a cultura cartorária de excessos de documentos de despachos, enfatizando o que realmente é essencial para a dinâmica da investigação criminal.

|SELETIVIDADE NAS INVESTIGAÇÕES. A sociedade espera que a Polícia Federal se ocupe dos delitos que envolvam um potencial lesivo maior. Dessa forma, a instituição não pode ficar engessada por uma obrigatoriedade de investigar tudo o que lhe é apresentado. Para tanto, é preciso estipular regras claras e objetivas para que o delegado possa fazer a seleção daquilo que é prioritário para a instituição em termos de investigação criminal. Por exemplo, delitos com insignificância penal não devem ocupar a mesma prioridade dos delitos que envolvam organizações criminosas complexas.  A vocação da Polícia Federal deve ser o enfrentamento à delinquência organizada transnacional e ao desvio de recursos públicos.

|APOSENTADORIA POLICIAL. Durante a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), a garantia de aposentadoria para profissionais de segurança pública com proventos integrais e paridade entre ativos e aposentados foi aprovada como a sexta diretriz mais votada. Todavia, um ano depois, o Poder Executivo apresentava o PLP 554/2010, que traz um novo e terrível formato para a aposentadoria policial. Em sua proposta, o Executivo elimina a integralidade no ato da aposentadoria policial e a paridade entre ativos e aposentados. Além de postergar, em muito, o exercício da atividade de alto risco que exercem os operadores da segurança pública com a exigência cumulativa de tempo de exercício, tempo de contribuição e idade mínima. A aprovação da referida proposição legislativa representa o esvaziamento da aposentadoria policial no Brasil e terá reflexos imediatos e profundamente negativos no ânimo dos profissionais de segurança pública envolvidos na realização dos grandes eventos internacionais de 2014 e 2016 no país. Em suma, os profissionais de segurança pública são desrespeitados agora na atividade e futuramente durante a aposentadoria.

|CARREIRA JURÍDICA. O novo concurso para o cargo de delegado de Polícia Federal já saiu seguindo o modelo das demais carreiras jurídicas. Essa foi uma conquista importante. O próximo passo é garantir uma formação diferenciada para o delegado desde o seu ingresso na Academia. Como os delegados são os dirigentes e gestores da Polícia Federal  é importante que sua formação contemple disciplinas específicas para essa tarefa. Há um movimento crescente nos estados para reconhecimento da carreira jurídica dos delegados de Polícia. Há uma dezena de Constituições estaduais prevendo esse reconhecimento, o que cedo ou tarde também ocorrerá no âmbito da Constituição Federal.

|NEGOCIAÇÕES COLETIVAS E GREVE.Desde a estabilização econômica dos anos 90, se inicia um movimento de recuperação do poder aquisitivo dos trabalhadores do setor privado. É assegurada a negociação e o dissídio coletivo, regras para reposição inflacionária e ganhos de produtividade. Enquanto isso, os trabalhadores do setor público, notadamente do executivo federal, passam por processo inverso. A regra constitucional de reajuste anual da remuneração do funcionalismo é simplesmente ignorada. Ano após ano o governo federal não negocia efetivamente. Os direitos de greve e de dissídio coletivo são negados aos policiais como se não fossem trabalhadores civis dignos de proteção constitucional. Isso tudo associado à intenção do governo de trazer para a realidade policial regras de aposentadoria comum do setor privado estão minando a Polícia Federal do Brasil num processo de estagnação onde quem é o grande beneficiário é a criminalidade organizada.


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