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30/09/2012 - 12:39:00

REFLEXÃO

Violência

Quais as causas da violência no Brasil? Passado histórico, herança dos tempos de exceção, desigualdade social?

  • Revista Prisma
  • Vanessa Negrini


No Brasil, são registrados mais de 50 mil homicídios por ano. Quase 40 mil pessoas morrem em acidentes de trânsito e outras 10 mil cometem suicídio. Mais de 47 mil mulheres e 20 mil crianças e adolescentes são vítimas de violência física, psicológica e sexual. A Prisma investigou a opinião de especialistas na área, para desvendar as causas desse problema, que irrompe e transforma o cotidiano brasileiro.

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Paulo Roney Ávila Fagúndez, afirma que a violência não pode ser compreendida sem o componente social, sem a compreensão dos conflitos humanos. No artigo “Raízes da violência”, ele afirma não ter notícias de nenhum período da humanidade em que a sociedade estivesse livre da violência.

Entretanto, esse fenômeno multicausal se agrava em determinados momentos históricos, por força de determinados fatores, como ideologia, religião, cultura. Mestre e doutor em Direito, Fagúndez acredita que a sociedade capitalista ocidental educa para a violência e a violência institucionalizada pelo sistema é considerada normal.
Para o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz a violência deve ser tratada como um fenômeno de natureza social, com origem na convivência dos grupos e nas estruturas da sociedade.

O sociólogo é o responsável pela 11ª edição do Mapa da Violência 2011, elaborado pelo Instituto Sangari em parceria com o Ministério da Justiça. As diversas formas de violência abordadas em seu trabalho, longe de serem produtos aleatórios de atores isolados, configuram “tendências” que encontram sua explicação nas situações sociais, políticas e econômicas que o país atravessa. É como diz o professor Fagúndez: “a violência é uma patologia do corpo individual, que contamina o corpo social e que contribui para o equilíbrio-desequilíbrio da sociedade”.

Em entrevista à Prisma, a professora Lourdes Maria Bandeira, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, desmistifica a áurea de que o brasileiro é um povo pacífico, avesso à violência. Segundo ela, essa foi uma ideia equivocada difundida por muito tempo, inclusive pela Sociologia. “Na verdade, o povo brasileiro é destituído da condição de direito”, explica a pesquisadora que foi subsecretária de Planejamento da Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República.

Bandeira observa que, com toda falta de acesso à justiça, ao sistema educacional, ao sistema de saúde, e a uma série de direitos que o Estado deveria proporcionar, as desigualdades sociais se acentuam no país. Diante dessa situação, de modo geral, o povo brasileiro tem reagido de duas maneiras. Ou reage nesse vácuo social, por meio de uma ocupação marginal, com a adesão ao crime. Ou reage com passividade, esperando que o Estado supra todas as suas necessidades.

|CRISE DE SIGNIFICADOS. Embora não se justifique, é até compreensível quando a violência está associada a camadas marginalizadas da sociedade. Mas o que dizer quando ela se manifesta em extratos privilegiados? Jovens de classe média-alta envolvidos em crimes, violência no trânsito e violência doméstica são alguns exemplos desse fenômeno.

A professora Lourdes Maria Bandeira aponta algumas hipóteses. “Na nossa sociedade atual, não temos uma utopia a nossa espera”, afirma completando que “do ponto de vista ético, não temos ninguém que nos represente”. O socialismo já não existe e, hoje, potências históricas estão abaladas economicamente. Aliada a essa falta de modelo e ausência de lideranças, há um descrédito no futuro, reflexo das crises mundiais que se sucedem.

Bandeira destaca ainda as consequências da atomização e da virtualização do mundo do trabalho, que resulta na perda de referências espaciais e temporais. Além de não oferecer nenhuma garantia, criar novas formas de segregação e discriminação, o mundo do trabalho está privando as pessoas da convivência coletiva e do compartilhamento.

“Sem as perspectivas de uma utopia a perseguir, sem o engajamento no mundo do trabalho que reconheça os teus desejos, as tuas ambições, que reconheça os teus projetos de existência, as pessoas acabam fragilizadas”, sugere Bandeira que vê nessa situação de anomia uma hipótese provável da violência urbana em camadas privilegiadas.
Sem referências, na atualidade, violência passou a ser uma forma de se comunicar, uma forma de resolver conflitos.

|VIOLÊNCIA POLICIAL. Mestre em Ciências Sociais, Benedito Domingos Mariano, analisa que o sistema de segurança pública nacional teve origem no Brasil imperial e se consolidou nos períodos de exceção da República. Em seu livro “Por um novo modelo de polícia no Brasil” afirma que o foco era realizar o controle social dos excluídos e defender as oligarquias. Os reflexos atuais são códigos, regras e culturas autoritárias. Para ele, os quase 40 anos de ditadura forjaram um modelo de polícia alicerçado em dois pilares: no arbítrio e na violência.

Coordenadora do primeiro Curso de Especialização em Segurança Pública da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENAESP/SENASP), Bandeira concorda que o período autoritário foi muito denso e produziu efeitos que até hoje se manifestam, de alguma forma, na polícia brasileira. Entretanto, a estudiosa esclarece que isso não é culpa do policial em si, mas significa que ele não está sendo adequadamente preparado.

“Os cursos de formação ainda são muito frágeis em relação a questões mais fundamentais da sociedade de hoje, com relação ao direito do outro, à cidadania, ao reconhecimento das diferenças. São cursos muito voltados para a utilização da violência”, avalia. Nesse sentido, os policiais brasileiros acabam vítimas de um sistema policial que não fornece capacitação, formação e qualificação adequadas.

Bandeira destaca que o poder discricionário, uma característica peculiar das forças policiais, de modo geral, não é bem aplicado. “Trata-se de um poder subjetivo que vai refletir a formação de cada indivíduo. Um policial treinado com base na violência vai agir de forma diferente de um com formação humanista”, afirma. Essa é uma discussão fundamental, pois cotidianamente o policial detém poderes sobre a vida do outro. É o policial quem decide, por exemplo, se deve correr atrás do ladrão ou se deve dar um tiro.

“O poder discricionário não é suficientemente trabalhado do ponto de vista da internalização da responsabilidade que ele demanda na sua efetivação”, afirma Bandeira. Ela, que é pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília, defende que a instituição policial deve dar formação adequada a seus agentes, que, por uma série de contingências e circunstâncias, nem sempre trazem consigo essa bagagem.

|ELOS FRÁGEIS. Na opinião da pesquisadora da UnB, o individualismo, o consumo exacerbado e o excessivo estado de competição resultam numa violência potencializada, que eclode em conflitos interpessoais na vida cotidiana, nos espaços públicos e no interior das famílias. Bandeira, que há 20 anos se dedica ao estudo da violência contra as mulheres, acredita que esse tipo de situação está associado ao sentimento de posse que os homens sentem sobre as companheiras.

Esse tipo de violência ocorre em todos os segmentos sociais. Mesmo mulheres com autonomia profissional e econômica são vítimas de violência doméstica, das mais variadas formas, desde psicológica, física, moral e sexual. Entretanto, mulheres de camadas populares tendem a denunciar mais as agressões físicas. Bandeira esclarece que, em geral, mulheres em classes mais humildes não possuem a elaboração mental de perceber que estão sendo vítimas de violência moral, quando xingadas e humilhadas pelos companheiros. Só entendem que foram agredidas quando atinge o estágio físico. “De tão incorporado no cotidiano, por todo imaginário social, midiático, essa mulher não percebe a violência moral”, explica.

As crianças são outras vítimas da violência doméstica. “No Brasil, o costume de aplicar castigos corporais com a intenção de educar tem raízes históricas, que nos remetem aos tempos da escravidão”, afirma a deputada federal Teresa Surita (PMDB-RR). A parlamentar é relatora do Projeto de Lei n° 7.672/2010, que garante à criança e ao adolescente o direito à educação sem o uso de castigo corporal nem tratamento cruel ou degradante.

Surita lembra que, em todo o mundo, 58 milhões de crianças são submetidas com regularidade a tratamento degradante ou cruel por parte de familiares e professores. Muitas morrem, em virtude de abusos. “Como será o mundo se sucessivas gerações crescerem aprendendo que a violência é o caminho natural para resolver os seus problemas?”, questiona afirmando ainda que “assim como a violência, a paz é uma construção”.


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