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30/09/2012 - 09:57:44

SEM LEGADO

Militarização da Segurança Pública

Em debate, o modelo que o Brasil deseja sedimentar para atuação nos grandes eventos

  • Revista Prisma
  • Da Redação

   

Bate, espanca, quebra o osso. Bate até morrer’, estariam entoando militares em treinamento nas ruas do Rio de Janeiro. O episódio, negado pelo Ministério da Defesa,
mas amplamente divulgado na imprensa, serve para reflexão sobre o modelo de segurança pública que o Brasil deseja sedimentar nos próximos anos para atuar nos grandes eventos. Um exemplo calçado no fortalecimento dos órgãos regulares de segurança ou sedimentado na atuação intrusa das Forças Armadas?

Para a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), a última opção é um modelo que não deixa legado e, ainda por cima, expõe negativamente a imagem do Brasil perante as grandes nações.

Entretanto, a greve dos policiais federais parece ter sido a desculpa que faltava para o governo entregar a segurança dos grandes eventos nas mãos do Ministério da Defesa. Mesmo sem aderir ao movimento paredista,os delegados federais fazem um alerta: os militares podem até não fazer greve, mas dão golpe. Para o presidente da ADPF, Marcos
Leôncio Sousa Ribeiro
, em tempos de paz, a utilização das Forças Armadas em  substituição às forças regulares de segurança pública sinaliza uma imagem muito negativa do país perante a comunidade internacional.

Embora não tenha se posicionado oficialmente, o governo vem sinalizando que as Forças
Armadas devem mesmo atuar na segurança da Copa do Mundo em 2014, Copa das Confederações de 2013 e visita do Papa Bento XVI, também no próximo ano. A
ideia é que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica atuem no reforço da segurança em todas as áreas consideradas estratégicas. As diretrizes estão na Portaria 2.221 do Ministério da Defesa, publicada em agosto.

O documento autoriza que integrantes das Forças Armadas exerçam atividades  temporárias nas áreas de defesa aeroespacial, controle do espaço aéreo, das áreas marítima, fluvial e portuária, além de segurança e defesa cibernéticas. Também há atenção
especial para as ações de fiscalização de terrorismo e explosivos.As Forças Armadas devem atuar ainda na fiscalização de armas químicas, biológicas, radiológicas e até nucleares. O embarque e desembarque de passageiros em todo o país, controlados pela Polícia Federal (PF), vão ganhar reforço dos militares, assim como o policiamento de trânsito e estradas.

Entretanto essa invasão de competência não é vista com bons olhos por especialistas em segurança e defesa. Para Samuel Alves Soares, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e presidente da ABED (Associação Brasileira de Estudos de Defesa), o governo brasileiro não deveria usar seus militares para fazer o papel de policiais.

“É um equívoco. Não são forças para essa finalidade e perspectiva.Desse jeito, as Forças Armadas irão se transformar em uma espécie de Guarda Nacional”, afirmou ao comentar sobre a Operação Ágata 5, que enviou uma força com cerca de 9 mil militares para as  fronteiras do país com o Paraguai, a Argentina e o Uruguai.

Para ele, usar os militares como policiais é um desperdício de recursos que poderiam ser
usados na preparação e equipamento das Forças Armadas para um eventual conflito com uma nação estrangeira. 

Em entrevista à revista Época,o jurista José Afonso da Silva,que foi secretário de segurança Pública de São Paulo entre 1995 e 1999, afirmou que o Exército não deve se envolver com problema policial, porque não foi feito para isso.

“O recruta serve por, no máximo,um ano e depois vai para casa. Ele se prepara para um
eventual conflito externo. Ir para a polícia não é função de alguém provisório. Para a polícia, tem de ir profissional”, afirmou José Afonso.

Do mesmo modo, ele defende que “a polícia não pode ser preparada para combater criminosos como se fosse o Exército combatendo na guerra”.

Para o ex-secretário, às vezes,é essa concepção de Polícia Militar que se vê, preparada para combater como se fosse para a guerra.

“O Exército é preparado para o combate, para a guerra, para enfrentar inimigos. A polícia não épara enfrentar inimigos, porque o delinquente não é inimigo da polícia, é um delinquente que precisa ser preso e julgado”, justificou José Afonso.

REAÇÃO. O Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (CONSESP) divulgou nota contrária à coordenação de grandes eventos nas mãos das Forças Armadas. O Colegiado defendeu que a coordenação dos grandes eventos continue “sob a responsabilidade da Secretaria Especial de Grandes Eventos do Ministério da Justiça, com gestão compartilhada entre os Secretários de Estado de Segurança Pública do Brasil”.
 

“O planejamento das ações de Segurança Pública dos grandes eventos já está sendo construído pelos Secretários de Estado e coordenado pelo Ministério da Justiça, com foco na segurança do cidadão, respeito a seus direitos e garantias fundamentais e com base na inteligência policial, conforme tradição mundial e acordos já firmados com demais países e
entidades esportivas internacionais participantes dos eventos”,diz o documento.

O que está em jogo é a disputa por um orçamento de R$ 1,8 bilhão que podem ou não ficar nos Estados após os eventos. A preocupação é que, caso as Forças Armadas sejam de fato escolhidas para coordenar a segurança dos eventos, especialmente das copas do Mundo e das Confederações,as cidades-sede não ficarão com qualquer legado. Muitas secretarias já davam como certo que herdariam os modernos equipamentos que devem ser adquiridos para os eventos.

“Segurança Pública é hoje um dos maiores anseios sociais em todos os recantos do país. Oportunidade de importantes melhorias como o aporte de legados posteriores aos grandes eventos não deve ser perdida”, diz outro trecho da nota do CONSESP.

Para o presidente ADPF,Marcos Leôncio Ribeiro, quem acompanhou os Jogos Militares
e a RIO+20 sabe que os recursos aplicados não ficaram no Rio de Janeiro. “As Polícias Estaduais, Corpo de Bombeiro, Defesa Civil, Órgãos de Trânsito, Guardas Municipais e as Polícias Federais foram simplesmente esquecidas.Os recursos foram completamente
abocanhados pelo Exército e os diplomatas do Itamaraty. Uma semana depois da RIO+20
a população carioca já reclamava pelo desmonte do aparato de segurança do evento”, aponta o delegado.

Finda missão, as tropas levantam acampamento e vão embora.Não fica nada para trás. Mas com o comando da Secretaria Extraordinária de Segurança de Grandes Eventos serão construídos protocolos de atuação para funcionar durante o evento e depois, no dia-a-
dia da segurança pública. Com a Defesa, não fica esse legado imaterial.

Ribeiro questiona ainda se os militares teriam preparo e capacidade para responder no caso de uma ameaça e se essa resposta seria adequada e proporcional. “É a polícia que tem melhor experiência e maturidade para atuar no ambiente urbano”, justifica. Uma
atuação intempestiva poderia gerar uma crise com o mau uso de uma arma de guerra num ambiente urbano. Em se tratando da vida de brasileiros e de milhares de turistas  estrangeiros que estarão no país durante os grandes eventos esportivos não dá para contar
apenas com a sorte. 


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