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30/09/2012 - 10:00:32

PEDOFILIA

Infância Tolhida

Introduzida pela nova lei de lavagem de dinheiro, a requisição direta de dados cadastrais pela autoridade policial pode ser um trunfo da Polícia Federal na identificação de criminosos sexuais na internet

  • Revista Prisma
  • Bruno de Oliveira e Ana Beatriz Magalhães

   

A nova lei contra os crimes de lavagem de dinheiro, por tabela, deve beneficiar as  investigações da Polícia Federal (PF) de abuso sexual infantil e juvenil na internet.A Lei  2.683, de 2012, permite que, independentemente de autorização judicial, a autoridade
policial e o Ministério Público tenham acesso aos dados cadastrais do investigado, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras,
provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

A inovação garante à Polícia Federal um precedente jurídico importante na identificação de
pedófilos. O entendimento é que se a regra vale para o crime de lavagem de dinheiro, por princípio, pode ser utilizada na investigação de qualquer outro delito. Antes, as empresas diziam que não poderiam repassar os dados porque existiria a “reserva constitucional de jurisdição”, pois, no entendimento deles, a Constituição teria reservado somente ao juiz o popoder de requisitar estes dados, mas com a aprovação da nova lei essa obrigatoriedade acabou. 

A partir de agora se encerra um antigo debate no qual se consagra a tese de que a  autoridade policial das Polícias Judiciárias e o membro do Ministério Público também possuem poderes gerais de requisição de dados cadastrais, conforme sempre foi defendido por estas instituições e ratificado pelo Parlamento e sancionado pela Presidência da República.

Atualmente, a Polícia Federal tem acesso aos dados cadastrais de suspeitos a partir de um mandado expedido pelo juiz para que os provedores de internet liberem  as informações. A Divisão de Direito Humanos da PF fez um estudo onde constatou que da data de requisição do acesso aos dados perante a autoridade judicial, passando pela expedição do mandado e o cumprimento pelo provedor, tem-se um lapso temporal
de 120 dias, em média. 

De acordo com o chefe do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal,
delegado Carlos Eduardo Miguel Sobral, não há razão técnica para essa lentidão. “As empresas demoram porque não querem investir em equipes e sistemas para atender às ordens das Autoridades Públicas exclusivamente em razão do custo, ou seja, não dão a devida importância para segurança pública”, afirma.

Embora ainda não esteja regulamentado em lei, durante os trabalhos da Comissão  Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia, em 2008, foi firmado um acordo o qual prevê que as informações sobre o suspeito investigado devem ser fornecidas em até três dias pelas empresas signatárias, mediante requisição feita por autoridade policial ou judicial. Esse prazo cai para 24 horas quando houver risco à vida dos menores e para duas horas quando se configurar risco iminente à vida de crianças e adolescentes. O PLS 494/2008, em tramitação no Senado Federal, fixa essa regra acordada na Comissão.
                           
Em países da Europa e Estados Unidos da América, os órgãos responsáveis pelos crimes virtuais têm acesso direto às informações dos usuários e contam com a proatividade dos  provedores que facilitam a liberação das informações.

Para o chefe da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, delegado Delano  Cerqueira Bunn, essa seria a relação ideal para se evitar que as pistas sobre os investigados se modifiquem e se percam ao longo do processo burocrático. O delegado enfatiza que a agilidade nas investigações é primordial para se evitar a revitimização de  crianças e adolescentes, com a exposição prolongada de suas imagens na rede.

|MARCO DE IMPUNIDADE . O trabalho da Polícia Federal de investigar e combater crimes de pedofilia na internet se esbarra no debate sobre a liberdade na rede mundial de  computadores. Essas discussões estão especialmente tensas em véspera da votação do 
marco civil da internet. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) inclusive produziu uma nota técnica criticando o marco da forma como estava sendo elaborado. A preocupação da ADPF é que, por trás do discurso idealizado de uma internet sem censura, se escondem aqueles que burlam a lei para praticar crimes hediondos contra crianças e adolescentes. Nesse caso, como manda o ordenamento jurídico brasileiro, os direitos devem ser sobrepesados para garantir que a liberdade não resulte em impunidade para pedófilos.

Ante a polêmica, o chefe da Divisão de Direitos Humanos esclarece que, num primeiro momento, a Polícia Federal não terá acesso ao conteúdo compartilhado pelos suspeitos. Somente depois, se o crime for confirmado. De início, as informações solicitadas se restringem ao horário em que o conteúdo foi postado ou entregue ao destinatário final e o endereço dos computadores utilizados. 

“O que estamos precisando em termos de investigação não é nada absurdo. Não queremos invadir ou quebrar o sigilo de conteúdo, queremos proteger crianças e adolescentes”, desabafa o delegado Delano Bunn.

|PREPARAÇÃO. Para um enfrentamento mais efetivo desse tipo de crime, em 2009, foi criado o Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil na Internet (Gecop), no âmbito da Coordenação-Geral de Defesa Institucional da Polícia Federal. Com a missão de analisar e difundir para as unidades de execução da Polícia Federal denúncias relacionadas a crimes de ódio e divulgação de materiais contendo pornografia infantil na internet, o Gecop já instaurou mais de 2300 inquéritos desde a sua criação.

O Gecop é um órgão central com a função de coordenação e capacitação das equipes nos Estados. Mais de 400 servidores da PF já passaram pelos cursos, alguns ministrados em parceria com o Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos (SRCC/PF), FBI, e Polícia Real Montada do Canadá. Durante as aulas, os policiais tomam conhecimento de
novas ferramentas para o combate da pornografia infantil e crimes de ódio na internet.

Enfrentar a pedofilia também é um trabalho que exige cooperação internacional. As  denúncias chegam por intermédio da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) ou em decorrência de cooperação policial internacional direta. Com o objetivo
de facilitar esse trabalho, a Polícia Federal mantém adidâncias em 19 países.

As denúncias também partem de organizações não governamentais que tratam do tema,
como a SaferNet e pelo Disque 100, número da Secretaria de Direitos Humanos para combater a pedofilia no Brasil. 

|AVANÇOS. Fruto do trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia, a Lei 11.829 de 2008, que atualizou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem  auxiliado o trabalho da Polícia Federal. Antes disso, um pedófilo só poderia ser preso se fosse pego no momento em que estivesse compartilhando o conteúdo suspeito. A partir de
2008, foi criminalizada a aquisição de material suspeito e condutasrelacionadas à pedofilia  na internet. A tipificação detalhada das condutas criminosas facilita a atuação da Polícia Federal, que participou de forma ativa dos debates da CPI da Pedofilia e desempenhou um papel importante na criação da lei.

“O conhecimento técnico das barreiras legislativas que a impediam boas investigações, fez com que fosse criada uma das leis mais avançadas do mundo no combate a esse tipo de crime”, afirma o delegado Carlos Eduardo Miguel Sobral, que representou a PF nos trabalhos da CPI. Embora tenha havido avanços, o delegado lembra que a lei é apenas um
instrumento, mas que para os resultados sejam alcançados ainda é preciso investir em mais efetivo policial e equipamentos para a Polícia Judiciária.

|EXEMPLO VITORIOSO. Excepcional. Assim foi avaliada operação de combate à pornografia infantil pela internet “DirtyNet” tanto pelo resultado das apreensões
e prisões realizadas quanto pela forma como foi conduzida, considerada inovadora.

Sob o comando da delegada Diana Calazans, da Delegacia de Defesa Institucional da Superintendência  Regional do Rio Grande do Sul, foram cumpridos 50 mandados de busca e apreensão e presas 32 pessoas em 11 estados do país. Pela internet, os acusados
compartilhavam pornografia infantil no Brasil e no exterior. 

De acordo com a delegada, a investigação, que durou 60 dias e envolveu 250 policiais, foi um grande desafio. Isso porque, pela primeira vez, a Delegacia de Defesa Institucional atuou com a infiltração de agentes em uma rede de troca de pornografia infantil.

Amparados por autorização judicial, os investigadores criaram um perfil falso para ingressar
na rede de pornografia infantil, onde só é possível entrar com convite e aprovação de outros
membros. Para dificultar o acesso, a rede é criptografada. Com o ingresso dos agentes na rede, o próximo passo foi jogar a isca. “O alvo aceitou o perfil fake sem desconfiar”, relata a delegada Diana.

Para atingir o alvo, que distribuía o material pornográfico a uma rede composta por mais de 400 pessoas, era necessário traçar uma estratégia de ação. Identificar todos os  participantes levaria muito tempo, em razão dos procedimentos da investigação virtual, baseada em três etapas: identificar o IP do usuário, solicitar ao provedor a quem pertence
o IP e o endereço físico do IP e, por fim, no endereço físico, verificar qual dos moradores utiliza o perfil. 

A delegada estabeleceu um prazo limite de dois meses de infiltração dos agentes. “Não poderíamos prolongar por muito  tempo a investigação em face da suspeita de que muitos  dos alvos mantinham crianças em seu poder. A ação de prisão deveria ser única e simultânea, pois por serem de uma mesma rede a divulgação da prisão de qualquer um
deles inviabilizaria a captura dos demais”, relembra Diana. 

O primeiro alvo identificado possuía fotos de abuso de bebês no computador, o que revoltou
a responsável pela investigação. “A vontade era prender logo o abusador, mas precisávamos preservar a operação e identificar o maior número possível de criminosos durante os 60 dias”, conta a delegada.

Nos dois meses de trabalho, foram identificados 160 alvos, sendo 97 fora do Brasil e 63 em
território nacional. A Interpol foi acionada para difundir as informações dos alvos residentes
no exterior. Após as quebras de sigilo telemático dos 63 alvos brasileiros, dez tiveram que ser descartados: não havia dados armazenados pelos provedores.

No dia da busca foi utilizado um contingente de cerca de 250 policiais. Dos 53 alvos, quase todos foram identificados e, em 9 dos 11 estados onde ocorreram as investigações, 36  pessoas foram presas.

Em um dos locais de busca foi apreendida a maior coleção de pornografia infantil já  descoberta no Brasil. Os agentes ainda resgataram  vítimas em duas localidades, em uma delas o menor de idade era abusado por pessoas da própria família.

 

O delegado Edson Fábio Garutti Moreira, da Polícia Federal do estado de São Paulo, participou da operação “DirtyNet” e desabafa em um relato literário. 

Confira trechos do seu depoimento:

“Nos mandados de prisão que foram cumpridos em São Paulo presenciei uma daquelas
coisas que a gente reza para não ver nunca na vida. 

 O homem era casado, morava junto com a mulher. Ambos tinham trinta e poucos anos de idade. Ao consultar o computador pessoal deste homem, vimos inúmeros vídeos e fotos de pedofilia. Não havia dúvidas. As fotos por si só já eram chocantes – sexo entre adultos e meninos e meninas, indistintamente. 

Mas não era só, a pasta do computador que abrimos a seguir nos fez desacreditar no ser humano. Abrimos o diretório que era justamente a pasta de compartilhamento com os outros membros da rede, pela internet. Nesta pasta localizamos fotos e vídeos da
pessoa que estávamos prendendo ali, praticando sexo anal em um bebê. Aquela minúscula criança não tinha ninguém por ela; será que tinha Deus por ela?

A visão repugnante tomou conta da equipe e por um instante de descuido, num momento  de distração, a esposa do alvo deixou a casa pela garagem, carregando um embrulho de lençol em seus braços. Rapidamente vimos a porta do quarto da criança aberta e
corremos atrás daquela mulher. O que haveria naquele embrulho? Ela foi alcançada e desembrulhado o lençol de seus braços, meio acordado, meio dormindo, estava ali um cordeiro: o mesmo bebê que estava nos vídeos.

Tinha dois anos e pouco de idade, olhos murchos, visivelmente sedado, e com marcas evidentes do abuso sexual sofrido. Era filho único daquele homem e daquela mulher, pelo menos assim mostravam os documentos que estavam no local. Era mesmo um
cordeiro, imolado, a esponja que absorvia todo o vinagre azedo daquele casal doente.”


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