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31/07/2013 - 16:52:37

OPINIÃO

Corrupção passiva e ato de ofício

O que mudou depois do julgamento do Mensalão?

  • Revista Prisma
  • Sebastião José Lessa


O julgamento da Ação Penal 470, conhecido como Mensalão, investigado pela Polícia Federal, foi o mais longo da história do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram necessárias 53 sessões plenárias para julgar o processo contra 38 réus. Quando começou a ser julgada, a ação contava com 234 volumes e 495 apensos, que perfaziam um total de 50.199 páginas. Dos 38 réus, 25 foram condenados e 12 foram absolvidos. O acórdão do julgamento, publicado em abril deste ano, conta com 8.405 páginas. Por todos esses números impressionantes, mas sobretudo pelas mudanças de paradigmas que provocou, o julgamento do Mensalão é visto como um marco na Justiça brasileira. Neste artigo, o diretor da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Sebastião José Lessa, que acompanhou de perto todo julgamento, analisa dois tópicos fundamentais para as atividades de Polícia Judiciária.

 

Na lida diuturna do Estado que busca o bem-estar e justiça sociais, tudo sob a influência dos arts. 3º, incisos e 193, da Constituição Federal, o exercício da função pública deve manter absoluto alinhamento com os primados da competência, probidade e eficiência.  

 

Por isso, é bom assinalar que o Estado Democrático de Direito, em verdade, tem sua base de sustentação na legalidade, liberdade, igualdade, e, sobretudo, na responsabilidade.

 

|AÇÃO PENAL 470 – STF. Como é sabido, no segundo semestre de 2012, o c. Supremo Tribunal Federal, após 53 sessões plenárias, transmitidas ao vivo pela TV Justiça, canal 10, concluiu, em 17.12.12, o julgamento da Ação Penal n. 470, acórdão publicado no DJe 22.04.13.

 

Durante os debates, enriquecidos inclusive pelas expoentes lições doutrinárias e jurisprudenciais, e diante da  “extrema complexidade dos fatos e a intensa imbricação  dos crimes’’  (AP 470 – STF, rel. Min. Joaquim Barbosa – STF, Notícias, 17.12.12), o Pretório Excelso definiu rumos, sempre construtivos, na apuração dos crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, lavagem de bens, evasão de divisas, gestão financeira (fraudulenta e temerária), quadrilha ou bando, entre outros, e com destaque para a qualidade da prova.

 

Em tal contexto, é pertinente levar em consideração – para melhor alcance dos fatos e suas circunstâncias – a ambiência que abrigou aqueles embates jurídicos, e, sobretudo, o conteúdo agitado das imputações, é dizer, notícia de que agentes públicos e pessoas físicas ou jurídicas estariam associados para fins ilícitos.

 

Portanto, é sempre conveniente e produtivo o debate jurídico envolvendo os mecanismos preventivos e repressivos, especialmente quando se cogita do desvio de recursos públicos, fator de inquestionável potencial danoso, como sustentado pelo Exmo. Sr. procurador-geral da República:

 

“(...) pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGF) e pela Federação das Industrias do Estado de São Paulo (Fiesp) segundo a qual os desvios de recursos públicos no Brasil podem chegar a R$ 85 bilhões de reais por ano.  De acordo com essa pesquisa, entre 2002 e 2008, houve desvios de cerca de R$ 40 bilhões em contratos do governo e o custo médio anual da corrupção no país estaria em torno de 1,38% a 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, entre R$ 50 bilhões e R$ 84,5 bilhões’’ (grifei)  (STF, RE 593727, rel. Min. Cezar Peluso, julgamento interrompido, até 25.06.13, com pedido de vista. (Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, SP,  n. 76 – out-nov/2012, pág. 58)

 

Em pesquisa realizada até 25.06.13, no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais, constatou-se um número considerável de recursos enfocando a questão da corrupção passiva:

 

STJ: 365 documentos
TRF 1ª R.: 100 documentos
TRF 2ª R.: 100 documentos
TRF 3ª R.: 221 documentos
TRF 4ª R.: 643 documentos
TRF 5ª R.: 133 documentos

 

A propósito, já se pensa na previsão dos delitos de concussão, corrupção passiva e corrupção ativa como crimes hediondos  (Projeto de Lei do Senado n. 204, de 2011, autoria do Senador Pedro Taques).
Neste trabalho, será abordado os crimes de corrupção passiva, simples e qualificada, na previsão do art. 317, caput, e § 1º, do Código Penal.

 

|CORRUPÇÃO PASSIVA - FORMA SIMPLES   (art. 317, caput, CP). Dispõe o art. 317, caput, do Código Penal:

 

“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mais em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

 

Pena – reclusão, de 2 (dois), a 12 (doze) anos, e multa.  (Pena alterada pela Lei n. 10.763, de 12. de novembro de 2003.’’   (grifei)

 

O caput do art. 317, CP, cuidou da repressão penal em face da conduta censurável do funcionário público que solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida para virtual, potencial ou futura prática ou omissão de ato ou fato relacionado com a função pública.

 

Aqui, o crime é formal, ou seja, de consumação antecipada e independe do resultado, como assentam doutrina e jurisprudência:  

 

“A corrupção passiva é crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado.  Consuma-se no momento em que o funcionário público solicita, recebe ou aceita a promessa de vantagem indevida.’’  (Cleber Masson, Direito Penal, Parte Especial, Ed. Método, SP, Vol. 3, 3ª ed., 2013, pág. 666)

 

“HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MATERIALIDADE. CRIME FORMAL. ORDEM DENEGADA.

...

 

3. Concluir pela ausência de justa causa, por força da insuficiência de elementos sobre a materialidade delitiva, com base na não apreensão das quantias supostamente recebidas, não é medida apropriada frente a natureza formal do delito de corrupção passiva, que se consuma pela simples solicitação da vantagem ilícita.’’ (grifei) (STJ, HC 176058 PA, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 16.08.12)

 

Logo, na forma simples (art. 317, caput, CP), como no exemplo do julgado (STJ, HC 175058 PA), onde não se realizou a  “apreensão das quantias supostamente recebidas’’, não se apresenta com prioridade para a configuração do modelo típico, a identificação do virtual ou futuro “ato de ofício’’, bastando a presença do “fato inerente à função pública” que deu azo à vantagem indevida almejada.

 

Por isso se diz, que a corrupção “é um crime-tentativa: basta que o agente solicite a vantagem, ainda que isso não encontre eco no extraneus.”  (E. Magalhães Noronha, Direito Penal, Ed. Saraiva, SP, 4° vol., 8ª ed., 1976, pág. 265)

 

Nesse panorama, Fernando Capez acrescenta que:  “É indispensável para a caracterização do ilícito em estudo que a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem seja realizada pelo funcionário público em razão da função (ainda que fora dela ou antes de assumi-la). (grifei) (Obra citada, vol. 3, pág. 436;  TJSP, HC 261.928-3, rel. Des. Gonçalves Nogueira, j. 18.08.98)  

|CORRUPÇÃO PASSIVA - FORMA QUALIFICADA  (§ 1º, art. 317, CP). Está escrito no § 1º, do art. 317, do Código Penal:

 

“A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.’’   (grifei)

 

É a figura qualificada prevista no § 1º do art. 317, CP, tida como corrupção própria exaurida, quando é de rigor a demonstração do “ato de ofício’’ que gerou a vantagem indevida, porque já decidido pelo Pretório Excelso:

 

“1.2. Improcedência da acusação. Relativamente ao primeiro episódio, em virtude não apenas da inexistência de prova de que a alegada ajuda eleitoral decorreu de solicitação que tenha sido feita direta ou indiretamente, pelo primeiro acusado, mas também por não haver sido apontado ato de ofício configurador de transação ou comércio com o cargo então por ele exercido.”  (STF, AP 307 DF, Pleno, maioria, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.10.95)   (grifei)

 

 É que, a pena será aumentada de 1 (um) terço, se, em consequência da vantagem, ou promessa  ocorre o  ‘’exaurimento da conduta’’, consistente no retardamento, omissão ou prática do ‘’ato de ofício’’ com infringência do dever funcional.

 

Nessa hipótese de figura exaurida, é de rigor  a identificação do “ato de ofício” correspondente.     

 

Destaque para o ensinamento de Fernando Capez:

 

“Trata-se de forma mais grave do crime de corrupção passiva, uma vez que a conduta do funcionário vai além do recebimento da vantagem indevida, pois ele efetivamente: a) retarda a prática do ato, isto é, desrespeita o prazo para a sua execução; b) deixa de praticar o ato, isto é, abstém-se de sua prática; c) pratica infringindo dever funcional, isto é, a ação é contrária ao seu dever de ofício. (...) Constituem, na realidade, hipóteses de exaurimento do crime, mas que acabam por funcionar como causa de aumento de pena.” (grifei) (Obra citada, pág. 441)

 

De igual importância, a lição de Cleber Masson:

 

“O dispositivo legal prevê uma causa de aumento da pena, aplicável na terceira e derradeira fase da dosimetria da pena privativa de liberdade.  A maior reprovabilidade da conduta repousa na efetiva violação do dever funcional, consistente no retardamento ou abstenção de ato de ofício, ou prática de ato contrário à função pública.  Nas duas primeiras hipóteses, o ato é lícito (corrupção passiva imprópria), mas retardado ou omitido pelo agente;  na última, o ato é ilícito (corrupção passiva própria), e mesmo assim o funcionário público o pratica.

 

   Como se sabe, a corrupção passiva é crime formal.  No entanto, o legislador deixou claro que a superveniência do resultado naturalístico apresenta relevância jurídica.  De fato, com o exaurimento surge a causa de aumento da pena disciplinada no art. 317, § 1º, do Código Penal. Por tal razão, este crime já foi chamado pelo Supremo Tribunal Federal de corrupção passiva exaurida.  (Cleber Masson, Direito Penal, Parte Especial, Ed. Método, SP, Vol. 3, 3ª ed., 2013, pág. 668)  (STF, HC 71.125 RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 05.04.94)

 

Assaz elucidativo o v. acórdão do Superior Tribunal de Justiça, onde restaram configurados os elementos integrativos do tipo:  conduta, vantagem indevida, e ato de ofício:

 

‘’Então, entendo presente nítida relação causal entre a contratação de (...), o retardamento na concessão do efeito suspensivo, com a antecedente burla na distribuição do agravo, o recebimento dos honorários em espécie, o empréstimo à  (...)  e a falta da prova do pagamento deste mútuo, a tipificar o delito do § 1º do art. 317 do Código Penal, sendo seus autores (...) e (...), em explícito e escandaloso favorecimento ao Grupo (...).  Pertinente e atual o raciocínio desenvolvido por ocasião do recebimento da denúncia – fls. 596/597 – e a ele me reporto.  É que o exame ora retratado demonstra não haver uma simples suspeita, como normalmente se exige para o recebimento da acusação, mais certeza evidente e clara entre o ‘’fato demonstrado’’  e o  ‘’fato que se infere’’  (corrupção), suficiente a impor aos envolvidos as penalidades previstas na lei.  (grifei) (STJ, APn n. 224 SP, un., rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 23.10.08)

 

De igual modo, mostrando prioritário apontar o ato de ofício quando se cogita do § 1º, do art. 317, do Código Penal,  o julgado do e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

 

“2. Para a existência do delito de corrupção passiva impõe-se a identificação do ato de ofício – omissivo ou comissivo - configurador da transação ou comércio com o cargo exercido pelo funcionário público. Noutros termos, é necessário apontar qual ato específico de sua função ou  cargo o agente praticou, ou deixou de praticar, em virtude do recebimento da vantagem indevida (ou mesmo da promessa de vantagem).’’  (grifei) (TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-8 DF, un., rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1, 08.02.13)

 

Portanto, e para evitar eventual arguição de crime impossível, previsto no art. 17, do Código Penal, ‘’impõe-se a identificação do ato de ofício’’, assim assentado no julgamento colacionado.  (TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-8 DF, un., rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1, 08.02.13)

 

E destacando destacando o fato da  vantagem impossível:  ‘’Embora o crime seja de natureza formal, não se tipifica se a vantagem desejada pelo agente não é da atribuição e competência do funcionário.’’  (TJSP, RT 538/324, 526/356,  RJTJSP 160/306;  Celso Delmanto, obra citada, pág. 635)

 

E mais:

 

“Crime impossível na corrupção passiva – TJSP:  “Não ocorre o delito de corrupção passiva, embora de natureza formal, consumando-se pela simples solicitação, se esta é impossível de ser cumprida, isto é, não estiver ao alcance da pessoa que é solicitada.   (RT 505/296 in Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, Código Penal Interpretado, Ed. Atlas, SP, 7ª ed., 2011, pág. 1813)

 

|O NEXO ENTRE A CORRUPÇÃO  PASSIVA (qualificada - § 1º, Art. 317, CP)  E O ATO DE OFÍCIO. Durante o julgamento da Ação Penal n. 470 – STF, no segundo semestre de 2012, com acórdão publicado no DJe 19.04.13, e em razão das teses de defesa apontarem como precedente a Ação Penal n. 307 – STF, DJ 13.10.95, voltou a lume saber da prioridade ou não de se apontar concretamente o ato de ofício configurador de transação ou comércio com o cargo.

 

Na minuciosa fundamentação do juízo de censura, ficou registrado na ementa do acórdão:

 

“... Vinculação entre o pagamento da vantagem e os atos de ofício de competência do (...).” (grifei) (STF, AP 470, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 22.04.13)

 

Logo, para melhor aquilatar aquele nexo entre a conduta e o resultado, torna-se mais seguro analisar a contenda sob o pálio dos princípios da legalidade e da tipicidade.

 

|CARGO PÚBLICO  e  ATO de OFÍCIO. De igual pertinência – defronte do rigorismo da tipicidade  – os indicativos que balizam as atribuições do cargo público e do ato de ofício.

 

O cargo público, na expressão do art. 3º, da Lei n. 8.112/90, “é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.”  (grifei)

 

Já o ato de ofício, “É aquele que se compreende nas atribuições do funcionário, ou em sua competência, ou seja, ato administrativo ou judicial.’’  (grifei)   (E. Magalhães Noronha in Celso Delmanto, Código penal comentado, Ed. Renovar, RJ, 6ª ed., pág. 637)

 

Nessa toada, prestigiando a segurança jurídica, a jurisprudência do Pretório Excelso apregoa:

 

“Denúncia: Deve descrever a relação entre a “vantagem econômica’’ recebida ou aceita e a prática ou omissão de fato inerente à função pública do agente, sob pena de trancamento da ação penal por falta de justa causa”  (grifei)    (Inq. 785-4 DF, STF, rel. Min. Ilmar Galvão, j.  8.11.95, mv, DJU 7.12.00)  (Celso Delmanto, obra citada, pág. 635)

 

“Ato de ofício: Para a configuração da corrupção passiva deve ser apontado ato de ofício do funcionário, configurador de transação ou comércio com o cargo então por ele exercido.”  (grifei)   (STF, Pleno, mv, APn 307-3 –DF, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.10.95 ).’’  (Celso Delmanto, obra citada, pág. 635)

 

Pelo que se conclui, como implemento configurador da corrupção passiva, na figura qualificada (§ 1º, art. 317, CP), há que ser apontado ‘’o ato de ofício  do funcionário, configurador de transação ou comércio com o cargo então por ele exercido’’ (grifei)  (STF, Pleno, mv., APn 307-3 DF, rel. Min. Ilmar Galvão, mv., DJ 13.10.95).  No mesmo rumo:  STJ, APn 224 SP, un., rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 23.10.08;  TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-8 DF, un., rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1 08.02.13.

 

E na corrupção passiva - figura simples - (art. 317, caput, CP), a imputação se contenta com a identificação do nexo  entre a  vantagem econômica recebida ou aceita e a prática ou omissão de fato inerente à função pública do agente.

 

Anote-se, por fim, que em face da amplitude e complexidade do tema, este estudo, embora convencido, não tem a pretensão de esgotar o debate, ainda mais que as decisões do Pretório Excelso foram proferidas por maioria  (STF, APn 307-3 DF, DJU 13.10.95;  STF, Inq. 7854 DF, DJU 07.12.00).

 

|QUALIDADE DA PROVA. Por ocasião dos debates no Plenário do c. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Penal 470, muito se discutiu acerca da identificação do  ‘’ato de ofício’’, expressão inserida nos §§ 1º e 2º, do art. 317, do Código Penal, sobretudo nos crimes de maior complexidade, chegando-se a cogitar de certa ‘’elasticidade’’ na admissão da prova acusatória.  

 

E a controvérsia adquiriu maior relevo em razão, inclusive das alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei n. 11.690/08, que, no trato de questões sensíveis, mormente em torno da qualidade da prova, delimitou o caminho a ser seguido pelo juiz:
 “Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

 

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.” (NR)
“Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:  

 

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

 

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” (NR)

 

“Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

 

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

 

§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

 

§ 3o  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

 

§ 4o  (VETADO)‘’  (grifei)

 

Por conseguinte, voltou a lume o questionamento em torno da força probante dos  ‘’elementos informativos colhidos na investigação’’, dado que desprovidos, na origem, da garantia do contraditório (art. 5º, LV, CF).

 

Vem a tempo, nessa hipótese, o entendimento recente firmado pelo c. Supremo Tribunal Federal: “declarações e depoimentos de corréus e de outras pessoas ouvidas no curso da ação penal, do inquérito e da chamada  “CPMI dos Correios’’;  tudo isso, ao formar um sólido contexto fático-probatório, descrito no voto condutor, compõe o acervo de provas e indícios que, somados, revelaram além de qualquer dúvida razoável, a procedência da acusação quanto aos crimes de corrupção ativa e passiva.  Ficaram, ainda, devidamente evidenciadas e individualizadas as funções desempenhadas por cada corréu na divisão de tarefas estabelecidas pelo esquema criminoso, o que permitiu que se apontasse a responsabilidade de cada um.’’  (grifei) (STF, AP 470, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 22.04.13)

 

Pelo que se constata, malgrado a natureza inquisitória do Inquérito e das Comissões Parlamentares de Inquérito (§ 3º, art. 58, CF), os “elementos informativos colhidos na investigação’’  (art. 155, caput, CPP), formando um conjunto harmonioso, merecem real proveito desde que inseridos num  “acervo de provas e indícios que, somados, revelaram, além de qualquer dúvida razoável, a procedência da acusação’’, como ficou dito na ementa do v. acórdão  (STF, AP 470, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 22.04.13).

 

|POLÍCIA JUDICIÁRIA (Lei n. 12.830/13). Em arremate, vem a lume – no campo da qualidade da prova – a recente Lei n. 12.830, de 20.06.13, publicada no DOU de 21.06.13, que:

 

“Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.’’  (grifei)
 É que, registra o § 6º, do art. 2º, da mencionada Lei:

 

“O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.’’ (grifei)

 

Constata-se presente no ato de indiciamento, a influência salutar do princípio da motivação (art. 93, IX e X, CF;  arts. 2º, caput, § único, VII, e 50, I, II, VII, e §§, Lei  9.784/99), fator de incontestável projeção na qualidade da prova e na segurança jurídica.

 

Por fim, impende consignar que a investigação criminal  é elaborada nos autos do inquérito policial, conclusão que se extrai da leitura do  art. 5º, inc. XII;  art. 129, inc. VIII; e art. 144, §§ 1º, incs. I, e 4º, da Constituição Federal.

 

|CONCLUSÃO. Posto  tais considerações, forradas na doutrina e na jurisprudência, pode-se inferir:

 

a)    O delito de corrupção passiva, na forma simples, previsto no art. 317, caput, do CP, é de natureza formal, bastando para o enquadramento no tipo respectivo, a conduta do funcionário que, em razão da função pública, solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida em troca de virtual (possível) comportamento funcional irregular.  (Cleber Masson, Direito Penal, Parte Especial, Ed. Método, SP, Vol. 3, 3ª ed., 2013, pág. 666)  (STJ, HC 176058 PA, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 16.08.12)

 

b) Todavia, se a corrupção passiva é de índole qualificada ou corrupção própria exaurida  (§ 1º, art. 317, CP), a pena é aumentada de um terço, “se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.’’   (grifei)

 

Na mencionada hipótese, por fidelidade ao princípio da tipicidade (art. 5º, XXXIX, CF;  art. 1º, CP), deve-se apontar o ato de ofício  do funcionário, configurador de transação ou comércio com o cargo então por ele exercido. (Cleber Masson, Direito Penal, Parte Especial, Ed. Método, SP, Vol. 3, 3ª ed., 2013, pág. 668)   (STF, AP 307-3 DF, Pleno, mv., rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.10.95;  STJ, APn 224 SP, un., rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 23.10.08;  TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-8 DF, un., rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1 08.02.13).

 

 E o ato de ofício, - nos termos do art. 3º, da Lei n. 8.112/90  - “É aquele que se compreende nas atribuições do funcionário, ou em sua competência, ou seja, ato administrativo ou judicial.’’ (grifei)   (E. Magalhães Noronha in Celso Delmanto, Código penal comentado, Ed. Renovar, RJ, 6ª ed., pág. 637)

 

c)    A questão relevante, ou seja, a identificação concreta do “ato de ofício’’, em verdade, dependerá da qualidade da prova, seja direta ou indireta.

 

Vale registrar, como paradigma, trecho da ementa do v. acórdão da AP 470 – STF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 22.04.13: “declarações e depoimentos de corréus e de outras pessoas ouvidas no curso da ação penal, do inquérito e da chamada  “CPMI dos Correios’’;  tudo isso, ao formar um sólido contexto fático-probatório, descrito no voto condutor, compõe o acervo de provas e indícios que, somados, revelaram além de qualquer dúvida razoável, a procedência da acusação quanto aos crimes de corrupção ativa e passiva.’’  (grifei)

 

Por fim, no campo da qualidade da prova, o significativo avanço introduzido pela Lei n. 12.830/13, que  “Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.’’
 É que, destacando o princípio da motivação, determinou no art. 2º, § 6º, que  “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.’’  (grifei)

 

d)    Na esfera disciplinar, o “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública’’ (art. 117, inc. IX, Lei n. 8.112/90), é transgressão disciplinar de índole formal, “e, consequentemente, se configura ainda na hipótese de o proveito pessoal  ilícito não ter sido conseguido’’  (grifei)  (Formulações ns°. 17 e 18 – DASP);

 

E mais: não configura injustiça, ilegalidade e nem desrespeito ao princípio da proporcionalidade  (art. 2º, caput, § único, incs. I e VI, Lei n. 9.784/99), a imposição de pena demissória na hipótese em que a conduta (base factual) se ajusta exatamente ao correspondente tipo proibitivo (base hipotética).  Precedente: TRF 1ª R., AC 2002.36.00005021-0 MT, un., rel. Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu, DJF1 30.11.12.

 

 


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