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31/12/2013 - 10:39:40

SEMINÁRIO LUSO-BRASILEIRO

Da violência local à criminalidade transnacional

Encontro entre pesquisadores e profissionais da segurança pública do Brasil e de Portugal colocou em debate os sistemas de justiça criminal dos dois países

  • Revista Prisma
  • Da Redação

   

ISEMINÁRIO LUSO-BRASILEIRO

 

Pesquisadores e profissionais da segurança pública do Brasil e de Portugal participaram em Brasília do I Seminário Luso-Brasileiro: Sistema de Justiça Criminal - da Violência Local à Criminalidade Transnacional, realizado em novembro. O evento foi organizado pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) em parceria com o Departamento de Direito da Universidade de Brasília (UnB), o Centro Universitário de Brasília (Uniceub), o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança (ISCPSI), a Fundação Brasileira de Ciências Policiais (FBCP) e a Escola Superior de Polícia (ESP/ANP).

No primeiro dia, cerca de 120 participantes assistiram à mesa de abertura, que contou com a presença do presidente da ADPF, Marcos Leôncio Ribeiro. Também compuseram a mesa o presidente da Fundação Brasileira de Ciências Policiais e vice-presidente da ADPF, Getúlio Bezerra Santos; a ministra conselheira da Embaixada de Portugal, em Brasília, Florbela Paraíba; a presidente da Comissão Científica do Seminário, professora Cristina Zackseski; o diretor do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Pedro José Lopes Clemente; os professores George Galindo, Paulo Afonso Cavichioli Carmona e Helder Valente Dias.

O delegado Marcos Leôncio Ribeiro ressaltou a importância do seminário e os benefícios que podem surgir desse encontro entre os dois países, em um debate de relevância para toda a sociedade, que envolve instituições formativas da polícia, assim como o universo acadêmico.

|SISTEMAS DE JUSTIÇA. Na primeira mesa de debate, o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica portuguesa, Germano Marques da Silva, resumiu as peculiaridades do sistema de justiça criminal português. O foco da apresentação foi a última alteração do Código de Processo Penal português, publicada em 1982 (após 30 anos de trabalhos colaborativos), que, segundo ele, é bastante elucidativa para se compreender as mudanças não somente jurídicas, mas políticas pelas quais o país passou em seu passado recente.

Antes da aprovação, o processo foi rejeitado diversas vezes sob a crítica de que era pouco repressivo. O projeto previa penas de no máximo 20 anos e as alegações dos que rejeitavam era não ser possível governar de modo tão brando. Em outras palavras, acreditava-se que para controlar os crimes, era necessário “mostrar o chicote”. O professor lembrou que um dos princípios cerceadores da alteração do código foi o da culpa, em que se deve julgar não somente o criminoso, mas os fatos sociais que levaram o indivíduo a cometer o crime.

A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ela Wiecko, apresentou um contraponto à fala do português trazendo ao debate a visão do sistema criminal brasileiro. Wiecko levou ao debate a importância da atuação dos órgãos, ou agências, que compõem esse sistema. O primeiro deles seria composto pelas polícias. A professora falou especialmente da Polícia Militar e de seu papel de selecionar e conduzir os suspeitos aos juizados. No desenvolver de seu painel, Ela Wiecko também abordou algumas fragilidades do Código Penal brasileiro, como as leis sobre drogas e algumas características sexistas que ainda colocam o homem como superior à mulher.

A reflexão entre os dois países foi completado com a exposição do professor da Universidade Federal de Goiás, David Fonseca, sobre os desafios que se colocam aos dois sistemas de justiça criminal. “Vejo que o maior desafio brasileiro, hoje, é deixar de ser o 4º país que mais encarcera no mundo”, salientou durante sua apresentação, reforçando que o país conta com cerca de 540 mil presos atualmente, em 1260 instituições carcerárias.

Em seguida, o diretor nacional da Polícia de Segurança Pública portuguesa, Paulo Jorge Valente Gomes, apresentou sobre a polícia como ator visível dentro do sistema de justiça criminal. Gomes ressaltou que a polícia portuguesa é direcionada por uma tríplice missão: ser punitiva; garantir a ordem pública, sendo capaz de auxiliar na gestão de grandes eventos e; ser mediadora de conflitos.

|HOMICÍDIOS. O segundo painel do dia contou com a apresentação do grupo de pesquisas formado pelos professores Arthur Trindade Maranhão Costa, Anália Soria, Marcelle Figueira e Cristina Zackeski e pelo promotor de Justiça Bruno Amaral Machado, com o projeto “Avaliação dos Homicídios no Entorno do Distrito Federal”. A pesquisa teve como mote a ocorrência de casos de homicídio nas cidades que contornam o DF (Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Planaltina de Goiás, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso), em 2010.

Cristina Zackseski, presidente da Comissão Científica do Seminário, de início, reforçou a importância da colaboração entre Brasil e Portugal. “A comunicação facilitada entre as diversas instituições que compõe o Sistema de Justiça Criminal, entre si e com as instituições de ensino, são imprescindíveis para que tenhamos resultados mais justos e possamos oferecer serviços públicos de qualidade aos cidadãos, tanto no que se refere aos problemas locais, quanto no que tange à violência que ultrapassa fronteiras”, comentou.

Durante a apresentação do painel, foram destacados pontos como a utilização da infraestrutura do DF por parte desses municípios, que ainda não conseguem gerenciar suas necessidades por si e se veem mais perto da capital do que de Goiânia, cidade que deveria prover-lhes o necessário. Esses locais são habitados majoritariamente por imigrantes nordestinos, que vêm em busca de trabalho e melhores condições de vida, mas se deparam com o alto custo de vida na região metropolitana do DF.

A pesquisa constatou que os municípios concentram os maiores números de homicídios do entorno são Luziânia, Águas Lindas de Goiás e Valparaíso de Goiás. Destes locais, aproximadamente 24% da população trabalham no DF ou tem a capital como centro e suas relações comerciais. Nessas cidades, percebeu-se como características o baixo grau de escolaridade e dificuldades de habitação, como ausência de água tratada, esgoto e coleta de lixo.

|CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL. No segundo dia de seminário, o subintendente da Polícia de Segurança Pública de Portugal e coordenador do Mestrado em Ciências Policiais do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança (ISCPSI), Manuel Monteiro Guedes Valente, fez uma profunda discussão sobre a utilização de termos jurídicos que nomeiam organizações criminosas, alegando que o mau uso deles pode interferir em diversas etapas dos processos e da conceituação jurídica. O professor também salientou que só há crime organizado quando o Estado deixa de ter capacidade de prevenção e reação, ou seja, quando não consegue tratar o crime.

Em seguida, o delegado Guilherme Cunha Werner, doutor em Ciência Política e professor da Academia Nacional de Polícia (ANP), identificou na cooperação jurídica internacional o caminho que leva à diplomacia policial. Para tanto, ele retomou conceitos de segurança internacional, que trazem características básicas como a repressão à criminalidade, garantia da ordem, tranquilidade pública e normal funcionamento dos órgãos públicos. O professor ressaltou que a discussão dessa temática deve caminhar para que haja a cooperação entre países no combate aos crimes organizados.

O delegado Sandro Lúcio Dezan, doutorando em Ciências Jurídicas Públicas e coordenador da Escola Superior de Polícia, trouxe para o debate a criminalidade organizada como objeto de estudo científico. Ele diferenciou os termos justiça e direito, os quais não se equivalem ou interdependem, e afirmou que o sistema de justiça criminal é uma conquista para o direito positivo. Dezan também ressaltou características básicas da Constituição, que concede direitos básicos como a dignidade do ser humano, base para a elaboração dos demais códigos que regem a sociedade.

O promotor de Justiça do Estado de Goiás, Flávio Cardoso Pereira, encerrou o painel expondo um pouco de sua pesquisa sobre a delinquência transnacional organizada.
Conforme Pereira, a expansão recente do fenômeno da delinquência organizada, notadamente no tocante ao narcotráfico, acabou por despertar a comunidade jurídica internacional acerca de um grave problema que aflige o processo penal hodierno: a insuficiência dos tradicionais meios de investigação criminal. Diante desse contexto, surgem novas técnicas de investigação, a exemplo das infiltrações policiais e das entregas vigiadas.

|ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. A última mesa do seminário teve como tema a Lei 12.850/2013, que define as organizações criminosas e dispõe sobre a organização criminal, a obtenção de provas e o procedimento criminal a ser aplicado, norma que contou com a atuação da ADPF na aprovação. O painel contou com a moderação do diretor de Comunicação da ADPF, Cláudio Tusco.
A primeira palestra do painel foi ministrada pelo delegado Luiz Roberto Ungaretti, mestre em Direito Penal, que explicou sobre a atuação da Polícia Federal e Civil no combate ao crime organizado.

Nesse trabalho, que visa proteger as fronteiras do tráfico de armas e entorpecentes e combater os crimes ambientais, o desafio é reprimir esses crimes, tendo a consciência de que Brasil tem posição estratégica dentro desse contexto, como rota de distribuição e disseminação.

Em seguida, o delegado Adriano Mendes Barbosa, mestre em Ciência Política, fez uma discussão sobre as interseções promovidas entre a criminalidade organizada com um fenômeno político, que é o terrorismo.

O encerramento da mesa ficou a cargo do diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal, Jorge Luis Xavier, que trouxe ao debate a criminalidade organizada em nível regional. De acordo com o que ele chamou de “experiência bem-sucedida”, o Distrito Federal ainda consegue manter-se distante da criminalidade organizada por meio de um trabalho consistente das polícias.

|RESULTADOS. O delegado Célio Jacinto, coordenador da EADelta – Escola de Educação à Distância e representante da ADPF na comissão organizadora do seminário, avalia que o evento foi bastante produtivo ao aproximar estudiosos, especialistas e profissionais da persecução criminal do Brasil e de Portugal. Além da atividade em si, essas parcerias estão proporcionando que delegados federais façam cursos de mestrado em instituições portuguesas. Com este intercâmbio, a ADPF já conseguiu formar duas turmas para os associados para o curso de Ciências Policiais.


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