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21/03/2014 - 11:34:23

PRISMA

Uma mulher no comando dos presídios federais

Confira a entrevista com a Delegada Federal Dominique de Castro Oliveira

  • Revista Prisma
  • Maria Luiza Rosa

   

|Quais projetos pretende realizar como diretora do Sistema Penitenciário Federal?

Nesses três meses que eu estou na Diretoria, tenho feito uma prospecção de cenários. Visitei as quatro unidades que nós temos de penitenciárias federais: Campo Grande, Mossoró, Catanduvas e Porto Velho, levantando as grandes urgências. Todos os projetos estão colocados em três linhas de atuação.

Há questões administrativas como estabelecer processos e gerenciar o atendimento de cada tipo de situação. Outras questões se referem a melhorias administrativas referentes a contratos e aquisições que ainda precisam ser feitas ou precisam ser regularizadas. Como as quatro penitenciárias estão situadas em locais que não são grandes centros urbanos, temos algumas dificuldades recorrentes com os contratos. A empresa se candidata a participar de uma licitação e, às vezes, não tem a estrutura necessária na cidade. Outras vezes, a empresa é da própria cidade, mas não tem condições de prestar o serviço demandado. Isso resulta numa descontinuidade de serviços, que não é culpa do Depen. Temos que pensar o formato dessas contratações, de forma que essa descontinuidade do serviço não ocorra.

Ainda na linha administrativa, há a capacitação continuada dos servidores. No final de 2012, foi criada a Escola Penitenciária. Formamos bem o nosso agente penitenciário, especialista e técnico, mas não acompanhamos o desenvolvimento da forma mais adequada. Precisamos implementar a gestão por competência, de forma que o profissional ao ingressar já visualize a trilha profissional que deve seguir para atingir determinado posto.

Na vertente legislativa, precisamos de algumas regulamentações internas, precisamos de mudanças legislativas e da criação de determinadas coisas. Por exemplo, os agentes penitenciários federais, especialistas e técnicos, não têm um plano de cargos e salários adequado. A categoria é nova, o sistema é novo, foi criado há sete anos, e é uma briga que a Direção-Geral do Depen tem realmente comprado. Isso depende não só do nosso ministro [da Justiça], mas também do Ministério do Planejamento e Orçamento e de uma conjuntura nacional. Hoje, a minha meta do ponto de vista legislativo é ter uma proposta de atribuições. Eu preciso detalhar quem é esse agente penitenciário federal, qual o serviço que ele pode prestar ao país. Eu tenho um servidor muito caro e muito qualificado para ficar apenas abrindo e fechando grade. No futuro, ele pode ser um oficial de execução penal, o qual se pode atribuir funções de reabilitação, por exemplo.

Uma coisa tem que estar clara, o Sistema Penitenciário Federal é uma exceção. Foi criado para uma função específica de isolar líderes de organização criminosa em momentos de crise. Não se iguala ao sistema estadual. É claro que temos que garantir todos os direitos do preso, mas ele não pode se submeter as mesmas regras. É um caminho extraordinário, então deve ter previsões normativas extraordinárias. Vamos trabalhar nessa linha de garantir o respaldo legal para situações excepcionais que temos no Sistema.

Do ponto de vista jurídico, há uma excessiva jurisdicionalização do Sistema Penitenciário Federal. Várias medidas que são de gestão administrativa acabam sendo submetidas a decisões judiciais que por vezes são contraditórias. Assim como já visitei as quatro penitenciárias, já me reuni com todos os juízes corregedores. Tenho participado das reuniões do Conselho da Justiça Federal e eles mesmos percebem essas divergências. Como diretora do Sistema, tenho que tratar as quatro unidades como quatro alas da mesma cadeia. Não posso ter divergências que criem insegurança, fragilidades para a própria autoridade. Hoje, me considero diretora dos diretores do Sistema Penitenciário Federal; quero ser a diretora do Sistema. De forma que o mesmo padrão de atendimento, de monitoramento, existente em uma penitenciária se encontre nas outras.


|Quais são as maiores dificuldades para exercer o cargo?

Dificuldades de todos os tipos. Uma dificuldade inerente a minha condição pessoal de ser mulher, que me acompanha desde o momento em que escolhi uma carreira não direcionada a mulher. Tem certa resistência, de achar que a mulher pode ser muito “mole”, porém, por termos o tempo todo que provar que somos capazes, costumamos até ser mais rígidas.

Há a dificuldade do tempo; vim com uma proposta de trabalhar neste último ano e eu tenho tantas questões, como eu já adiantei, e algumas de natureza estrutural que dependem não só de órgãos externos ao Departamento Penitenciário Nacional ou mesmo ao Ministério da Justiça, mas também de outros Poderes. Eu falei de mudanças legislativas, então eu dependo do Poder Legislativo. Falei de mudanças judiciais, então eu dependo do Poder Judiciário.

O tempo talvez seja meu maior inimigo. Há a dificuldade de ser um ano eleitoral, com restrições legais na tomada de algumas medidas. Sabemos que há restrições para aumento de salários, restrição para concursos, então não é um ano muito simples de implementar medidas que efetivamente tenham um retorno tão rápido.

Talvez a menor dificuldade que eu encontro, e que eu esperava encontrar, é de resistência às minhas ideias. Quando levo essas questões aos meus subordinados diretos e aos meus superiores, encontro neles meu apoio. Por mais que as mudanças que eu proponho, algumas sejam estruturais e caras, eu encontro respaldo. Como diretora sozinha, sem o apoio da base, sem o apoio do topo, eu não consigo realizar nada. Esse é o meu maior estímulo e me faz seguir adiante.


|O que falta para o Sistema dar um salto de qualidade?

Nós já demos um salto de qualidade quando criamos o Sistema Penitenciário Federal, que é e continuará sendo por muito tempo uma referência. Hoje, não temos no Sistema Penitenciário Federal nenhuma das falhas que encontramos em sistemas estaduais e até mesmo em outros países. O preso tem acesso à educação, saúde, assistência psicológica, familiar. Para o preso que não tem a visita da família, até porque temos presos de 24 unidades federativas, temos o projeto da visita virtual.

Nós temos o atendimento jurídico não só da Defensoria Pública da União, mas a própria unidade tem um núcleo de assistência jurídica. Nenhum preso fica no Sistema Penitenciário Federal além do prazo. Sessenta dias antes do fim do prazo de permanência no Sistema, instamos o juiz de origem a se manifestar sobre a prorrogação.

Mas temos que querer sempre mais, o Sistema que quer ser referência e, eu acho que é, tem que ser referência em tudo. Hoje a minha grande meta é ter um padrão de qualidade que se repercuta em todas as áreas da assistência penitenciária. Para isso eu preciso de investimento em equipamentos, que há 7 anos eram adequados e atendiam a demanda, mas que hoje já se tornam ultrapassados.


|Quais são os pontos críticos das prisões federais brasileiras?

Não há algo crítico, mas há situações que precisam ser observadas, como um plano de capacitação continuada, melhorias de investimento, deficiência de pessoal. O perfil do preso incluso no sistema também precisa ser trabalhado, pois é um sistema extremamente rígido, então só podemos ter neste sistema pessoas que se enquadrem no perfil. Temos feito uma reanálise dos internos atuais e estamos sendo mais criteriosos na análise de recebimento de novos internos.


|Quais as medidas poderiam ser tomadas para reduzir os conflitos nas penitenciárias estaduais?
 
Eu não vou falar da situação estadual; vou fazer um paralelo com a situação que eu conheço. O que temos de diferente são três coisas basicamente. Primeiro, o servidor é diferenciado, ele passa por um processo de seleção e de capacitação diferenciada (formação, salário, reconhecimento). Segundo, eu tenho uma estrutura tecnológica diferenciada. Houve um investimento estrondoso do Governo Federal na criação das penitenciárias federais, na construção, na logística, no equipamento, no sistema. E o terceiro ponto, que eu acho que é o grande diferencial, é o procedimento. Nós temos um procedimento rígido para interno e para servidor. Um procedimento sob o qual todos se submetem e, aliás, as autoridades se submetem com muita satisfação. O procedimento é rigidamente observado. Como um celular, arma vai parar dentro da penitenciária? Eles não surgem, eles não brotam. Temos procedimentos impessoais, objetivos, e que são cumpridos. Essa é a grande diferença. Evitar a fuga, a morte, a rebelião não é um passe de mágica, é consequência dessas três linhas que foram implementadas pelo Governo Federal e seguidas pelo Depen e pelo Sistema Penitenciário Federal desde a sua criação. Também contamos ao nosso favor o fato de ser novo, então não temos graves vícios; já fomos criados com essa mentalidade de estrito cumprimento de um procedimento e vigilância.


|A construção de mais presídios  estaduais ajudaria a reduzir os conflitos e as mortes?

Falta uma visão estratégica no que se refere ao encarceramento. Temos que definir o que queremos. O encarceramento é a medida mais adequada para a reabilitação de uma pessoa? Ou apenas para situações específicas? Temos que separar um caso do outro, o que dá para fazer com outras medidas que não de restrição de liberdade, e o que precisa efetivamente de prender. Nessa restrição de liberdade precisamos entender que quanto mais efetiva for a segurança pública, o Poder Judiciário, maior será o encarceramento. Superlotação, condições insalubres, internação de facções rivais na mesma unidade carcerária vai sempre ser objeto de conflito. Temos que nos antecipar. E talvez falte essa visão estratégica. Antes de virar problema, precisa ser enfrentado.


|As recentes mortes no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, suscitou a transferência de presos para o sistema federal. Isso será feito?

O Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça e dos seus órgãos relacionados (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretária Nacional de Segurança Pública e o Depen), sempre está à disposição para prestar apoio; é pra isso que fomos criados. No que se refere especificamente ao Depen, em um primeiro momento, nos disponibilizamos a receber presos do Maranhão. Isso depende de duas coisas. Primeiro, o Estado do Maranhão querer. Segundo, do Estado do Maranhão comprovar o perfil desses presos. É uma política de Estado, não de governo, que prevê que naquelas situações específicas, determinadas em lei, regulamentadas pelo decreto, aqueles presos podem ser inseridos no Sistema Penitenciário Federal. Estamos trabalhando com o governo do Maranhão para isso. A parceria é institucional e vai ser utilizada a partir de uma solicitação do estado do Maranhão. As vagas disponibilizadas para o Maranhão serão no exato número do perfil comprovado, tantas quantas forem a comprovação desse perfil. Estamos prontos pra receber os presos que se enquadrem. Mas isso depende mais de uma iniciativa estadual, do que de uma postura nossa.


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