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23/10/2014 - 18:40:23

ELEIÇÕES DG

Entrevista com Jorge Pontes

Delegado responde 6 questões sobre o futuro da Polícia Federal

  • ADPF
  • Da Redação


Preâmbulo Jorge Pontes – Quando percebi pela primeira vez que eu poderia figurar na lista sêxtupla da ADPF, das eleições para DG, viajei à Brasília para explicar com o cuidado e a delicadeza necessárias, ao Dr. Leôncio e ao Dr. Sobral, que gostaria de formalizar a retirada de meu nome do processo. Não queria que a minha classe me visse, erradamente, como alguém que a despreza, mas, a meu ver, tinha que sair. Sou de uma geração que observa esse tipo de iniciativa mais como algo a ser evitado do que como "prestígio", me refiro obviamente ao ponto de vista do presidente eleito. Ser apontado por lista interna sempre significou "descredenciamento automático" do rol dos possíveis indicados. Quando muito, poderia haver uma coincidência, no caso do escolhido constar da nossa "lista", como certamente ocorreu com o ultimo DG. No caminho, conversando com colegas mais novos, fui aos poucos sendo dissuadido de fazê-lo. Delegados de Recife e de Salvador me convenceram de que o processo tem um objetivo legítimo e cujo exercício seria importante para consolidá-lo, mesmo que não redundasse em sucesso algum. Era o caso de exercitar uma escolha, exercitar uma responsabilidade. Se o meu nome surgiu sem que eu me oferecesse, me senti um pouco tentado a deixar correr o processo. Me ligavam pedindo currículo e pedindo para que eu falasse disso e daquilo. A Polícia Federal vive o pior momento da sua história, algo de fato sem precedentes. Encontra-se travada por uma batalha interna de contornos fratricidas. A Polícia Federal não funcionará se não for pacificada. O que o Dr. Márcio Anselmo conseguiu, em plena crise, o faz merecedor de nossa admiração e respeito. A Lava Jato mais do que uma operação policial é uma façanha. Nada é mais premente do que o fim dessa crise. Fui, então, convencido a não sair do processo, e o fiz em respeito aos colegas que assim decidiram no Congresso de Vitória. Segui dando minhas opiniões, das quais nunca me furtei. Por respeitar essa geração que me convenceu aceitar esse processo, cujo marco temporal de nascimento arrisco assinalar a partir dos concursos 2001/2004, de Delegados do DPF, hoje já a maioria na casa, e por isso merecedora de atenção, aceitei participar da eleição e parei para responder, da minha maneira, as seis questões que ora ofereço ao conhecimento de todos. Há inúmeros delegados produtivos e corajosos, expoentes de liderança e competência nessa fornada da ANP. Conheci vários deles, homens e mulheres. Esses me fazem acreditar que podemos superar a crise e seguir adiante. A Polícia Federal irá para onde for essa geração de jovens autoridades policiais, e isso aumenta a responsabilidade de seus componentes, pois o abismo também é um lugar.

 

ADPF – Concorda em criar núcleos (gabinetes) de investigações, sempre que o efetivo comportar, com o mínimo de um Delegado, um EPF, e dois APFs, com PCFs designados para cada equipe, ainda que lotados nos respectivos SETECs? O DPF será o chefe imediato? Onde não for possível, haverá núcleos específicos por matéria?

Jorge Pontes
Recebo essa questão com o mesmo espanto do astronauta do filme "O Planeta dos Macacos", que desce na Terra e encontra a Estátua da Liberdade enterrada pelo pescoço na areia da praia, e o resto do mundo de cabeça pra baixo, com os humanos mudos e vivendo em gaiolas... Teriam os meus dois anos e pouco de exterior e dois de iniciativa privada promovido uma viagem no tempo? Trata-se de uma questão mais para eleição para DRCOR, e cuja resposta vai depender das dimensões de cada superintendência regional. Mas a preocupação da categoria num tema como esse me coloca a par do momento de aflição e desamparo vivido pelos delegados. Ainda bem que as outras questões não trataram de banho de sol nem de chicotadas nas costas. Restabelecidas disciplina e hierarquia nos padrões históricos, trata-se de assunto que o DRCOR resolverá com os recursos de sua unidade. No comando a Autoridade Policial, com o ônus da responsabilidade. O que obviamente não significa que agentes e escrivães não possam ter FG's, que devem, inclusive, ser aumentadas para que valham a pena. Aliás, é com engajamento em chefias de caráter operativo que trazemos os EPAs para o lado da administração, assim como a A.P. pode utilizar a concessão de FG's para premiar os mais operosos policiais. Esse modelo do enunciado da questão vai variar de acordo com a unidade, mas sempre com a A.P. como titular. O formato em questão cria espírito de corpo e resgata a capacidade do delegado de comandar o que ocorre na investigação. Com esse modelo haverá maiores chances de vermos resgatadas a admiração e o respeito que os agentes nutriam pelo delegado "bom de polícia". Todo distanciamento é ruim. Nossa atividade não é puramente jurídica, e sim híbrida, isto é, há um momento que "estamos carreira jurídica" e outro que "estamos carreira operacional", gostemos disso ou não. Os agentes historicamente sempre perceberam essas duas capacidades de seus delegados. O importante, nessa questão, não é propriamente respondê-la, mas garantir que assuntos como esse não mais serão objeto de um questionário aos candidatos a DG/DPF.

 

ADPF – Fará gestões para dotar a PF de autonomia funcional e administrativa, tornando-a, definitivamente, em uma instituição independente, republicana, e de Estado?

Jorge Pontes Se apenas um único assunto nos fosse permitido, seria esse a ser o escolhido, o da autonomia funcional e administrativa da PF, tornando-a uma instituição, não "independente", pois não é poder e tem funcionamento sempre vinculado, mas totalmente livre de amarras conjunturais dos MJs da vez, e do mau hálito político. Já escrevi e defendi tal medida inúmeras vezes. Para aqueles colegas que gostam de dizer que hoje escrevo em jornais de grande circulação só porque estou aposentado, lembro que defendi a nossa autonomia num artigo publicado em grande jornal, quando ocupava a cadeira de superintendente regional (postulei autonomia com mandato de 4 anos para o DG, iniciando no meio do mandato do chefe do executivo e sem possibilidade de recondução). Em outra ocasião, também ainda na ativa, quando o STF editou sua Sumula 11 que restringiu o uso de algemas nas nossas grandes operações, publiquei um artigo, na Folha de São Paulo, que confrontou o então presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, em defesa da Polícia Federal. Bem, percebi que perdemos em diversas gestões a oportunidade de conseguir andar nesse sentido. Observei também que alguns diretores gerais se inibem diante do poder que os escolheu e os guindou ao nono andar. Tenho a impressão que no momento em que um DG é escolhido, seja pelo Presidente ou pelo MJ, nasce, involuntariamente, um sentimento de gratidão eterna e profunda que o vulnerabiliza diante dos pedidos e suspiros dos seus superiores. O mandato seria um corte nesse cordão. Essa porta da autonomia nos é sempre fechada, pois não há ninguém realmente bem intencionado no estamento político ao ponto de "criar uma polícia federal que se voltará contra o criador". Essa é a lógica cruel desse nosso aprisionamento. Somos um país capturado pela sua própria elite política, isto é, pelo Congresso Nacional. Identificar políticos sérios e bem intencionados será fundamental, e muito difícil. E teremos que gastar dinheiro numa campanha nacional para conquistar corações e mentes e criar grupos de pressão que funcionem sobre os políticos. Não podemos nos iludir que políticos tipo Collor, Jader, Renan e Sarney irão nos ajudar, pois não vão. Mesmo que estejam como pacientes terminais eles não o farão sem segundas intenções, pois todos já lançaram seus sucessores nas bases do fenômeno do "filhotismo". Vejo esse como o melhor dos combates a serem travados por nós. Se nossa Lei Orgânica só pudesse contar com um artigo, seria o da autonomia funcional e orçamentária. O que os políticos sempre falam para negá-la é que não querem uma polícia fora de controle. Mas fora do controle de quem? Somos controlados e balizados pela CF, CPP, CPB, por diversos outros diplomas e pelo MPF. Se não fosse aquele momento histórico vivido em 1988, hoje nem teríamos um Ministério Público com a autonomia que tem. Já ouvi quem dissesse "não queremos criar mais um Ministério Público para nos perseguir". Com tal autonomia, gozaríamos, entre outras benesses, de uma grande diminuição de delegados "vocacionados" para a política, em assessorias e etc. Com a PF nos trilhos, diminuiria a necessidade de contatos de "quinto grau" com senadores e deputados que são, invariavelmente, nossos potenciais clientes, nos recorrentes mensalões e petrolões que constantemente nos vemos na tarefa de investigar. Veríamos finalmente todos os colegas que hoje estão engajados em contatos com políticos, retornarem para a atividade fim, cerrando fileiras com os seus colegas que se encontram na labuta policial. Finalmente, para conseguir levar a cabo tais implementações, um DG tem que ter total desapego ao seu cargo; tem que estar disposto a ficar 30 minutos no nono andar, e a resistir, principalmente, as primeiras pressões, as que denomino "pressões testes". Atenção, pois depois dessa, passa tudo. E o mais importante: tem que haver uma fila de delegados de polícia classe especial, logo atrás, dispostos a ficar apenas 30 minutos na cadeira, e sem estarem dispostos a passar no primeiro "pressão teste".

 

ADPF – Valorizar os servidores administrativos?

Jorge Pontes Como gestor no DPF, senti muito na pele o prejuízo de não termos um corpo de servidores administrativos valorizados. Os baixos salários, o abandono e, principalmente, a falta de pertencimento, fazem com que percamos anualmente percentuais enormes de funcionários administrativos de alto nível. Os concursos estão longe de dar vazão a nossas necessidades. A valorização dos servidores administrativos é medida de base que resolverá diversos problemas hoje enfrentados pelo DPF.

 

ADPF – Buscará, em lei, ou por acordo com os demais atores da persecução criminal, a seletividade das investigações, priorizando o combate aos crimes mais graves?

Jorge Pontes Trata-se de iniciativa instrumental para que possamos atingir a excelência desejada pela sociedade em relação as nossas investigações. Consubstancia-se em medida de gestão da atividade fim. Se já tivessem sido encetadas de forma efetiva e corajosa, com a indispensável aproximação do MPF, visando a seletividade das investigações, e priorizando o combate aos crimes mais graves, a figura do Inquérito Policial não estaria sendo hoje tão bombardeada de todos os lados. Fica difícil ter sucesso quando há uma "carga natimorta" tão volumosa. Sei que o MPF igualmente deseja essa seletividade. Devemos buscar aproximação institucional com o MPF e criar diretrizes para que as 27 SR's o façam localmente. Isso é possível desde que identifiquemos procuradores colaborativos e motivados a trabalhar em equipe. A Justiça Federal e a sociedade agradecerão tal iniciativa. Entendo, entretanto, que os dois principais atores para a efetivação de tal medida sejam DPF e MPF. Vejo hoje a Polícia Federal sendo "distraída" exatamente pela falta de seletividade de suas investigações. E não vejo com bons olhos esperarmos que tal iniciativa seja pilotada ou levada a efeito pelo poder político do Ministério da Justiça ou do governo, isto é, trata-se de medida a ser capitaneada pelo DPF e MPF, os mais legítimos e maiores interessados na seletividade da investigação, seguidos pela JF. É nossa iniciativa. Sabemos que o MPF, por sua natureza, não é uma instituição fácil de se fechar um acordo. Por isso esse tema tem que ser tratado institucionalmente, de forma que quando os representantes dos respectivos órgãos forem remanejados, estejam lançadas as bases para sua continuidade. Não pode haver "fulanização" muito embora o MPF tenha a sua independência, grosso modo, "fulanizada" entre seus membros. O Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal é um empecilho que poderia ser mitigado. Os ganhos de ambas as partes farão todo o trabalho, suor, tempo e discussão valerem a pena. A iniciativa seria objeto de protocolo e levada a efeito formalmente. Tenho ótimo relacionamento com o nosso atual "inimigo número um", o chefe da ANPR Dr. Alexandre Camanho, que é um Procurador Regional da República extremamente aguerrido e preparado, de quem me reaproximei nas últimas quatro semanas depois de alguns anos de afastamento. O fiz na tentativa de chamá-lo à responsabilidade por estar apoiando de forma irrestrita os pleitos radicais da Fenapef. Mostrei que tal apoio tangencia a irresponsabilidade. Conheço inúmeros membros do MPF que não concordam com esse apoio anacrônico da ANPR à Fenapef. Ontem obtive resposta promissora e serena do Dr. Camanho. Tencionamos assinar juntos um artigo defendendo o confinamento da investigação criminal no âmbito de seus três grandes atores, DPF, MPF e JF, com objetivo de evitar os "vazamentos oficiais". Poderia ser o começo de um afinamento. Para mim ficou claro que a ANPR tirou a Fenapef para um dança a partir do momento em que nós delegados defendemos abertamente e nos engajamos de cabeça na canoa furada da PEC 37. Em relação a essas arestas com o MPF, penso ter chegado a hora de nos posicionarmos com espírito agregador, sem perdermos a altivez. Não se resolve um problema desses sentando à mesa com inimigos. Temos que fazê-lo com parceiros e "demais atores da persecução criminal", não com adversários. Para isso é necessário darmos novos votos de confiança e reatarmos o bom relacionamento com o MPF. O delegado de polícia federal que trabalha na atividade fim encontrará durante sua carreira dezenas de procuradores colaborativos e amistosos, assim como se deparará com alguns tinhosos e intratáveis. Temos que nos conduzir procurando, sempre que possível, desviar desses últimos.

 

ADPF – Será mantida a atual estrutura da PF como Polícia Administrativa - PA e Polícia Judiciária - PJ, com a definição de prioridades de gestão, ou será separada a PA da PJ em dois segmentos com comandos distintos; ou, pretende promover alguma ação para retirar a PA das atribuições da PF, e nesse caso como seria posto isso em pratica? Para quais órgãos iriam essas atribuições e o que seria mantido na PF?

Jorge Pontes Entendo que as intenções dos colegas deltas que defendem tal clivagem são as melhores. Querem desembarcar da PF as atividades de PA para fortalecer a PJ. Eu, contudo, não entregaria tais atribuições em hipótese alguma. Vejam o caso da "marítima"; trata-se de uma missão que nos foi atribuída constitucionalmente. Muito embora consubstancie-se em atividade de PA, é instrumental para nossas investigações e inquéritos. Nada mais estratégico do que a titularidade da gerência dos seus bancos de dados; nada mais importante do que nossa presença nos principais aeroportos do país. Aliás, nos últimos anos, ocorrências envolvendo milhares dólares em cuecas, em meias e maletas receberam tratamento in loco e de imediato dos nossos policiais das unidades aeroportuárias. Não me espanta que o atual MJ esteja tão receptivo em fracionar a PF, mormente a nossa imigração. Podem ter certeza de que aqueles envolvidos no tráfico de drogas, de pessoas, no contrabando e na biopirataria, se sentirão aliviados com outra "agência" cuidando da imigração. A sociedade não se sentirá nada confortável de ver que a PF não mais se incumbirá do controle e expedição dos seus passaportes. A Polícia Federal tem milhares de agentes e delegados que dedicaram suas carreiras a atividade de "polícia marítima". Perder essa atribuição será um tiro no pé. Um passo que uma vez dado irá causar um prejuízo irresgatável e um arrependimento eterno. Entendo os bons e bem intencionados argumentos de alguns colegas mas não abriria mão dessa atividade importante e que se confunde com a história do DPF, e que tanto nos ajuda em nossas investigações criminais. Ademais, não se joga fora poder. Não se abre mão de poder. Temos que pedir mais gente, mais recursos. É uma medida fácil e simplista se livrar da "marítima". Esquartejar a PF da sua atividade de "polícia marítima" vai nos causar um arrependimento que nos acompanhará até o final dos tempos. Grande ilusão achar que teremos acesso fácil aos aeroportos e as bases de dados. Não é bem assim. Já trabalhei em dezenas de casos com o FBI. Testemunhei como é constrangedor para os agentes do "bureau" serem barrados nos aeroportos. Corremos o risco de experimentar tal dissabor nos nossos DEAIN.

 

ADPF – Promoverá gestões para implementar o que ficou definido no Congresso dos Delegados em Vitória, ocorrido este ano.

Jorge Pontes Decerto respeitaria as ponderações da classe. Sempre gostei de tomar decisões após ouvir o máximo possível de colegas. Certamente merecem atenção as definições levadas a efeito pela categoria que comanda o departamento. É imperioso estar sempre receptivo às deliberações dos congressos dos delegados de polícia federal. Tais decisões, dependendo do tema, teriam força de "recomendação" para o gestor maior do órgão. Os enunciados, que se consubstanciam na vontade de toda uma classe, seriam levados sempre em consideração por aquele que a todos representa, no processo de tomada de decisões.


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