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18/12/2014 - 14:24:20

OPINIÃO

Novo procedimento para Prisão Cautelar para Extradição

O chefe da Interpol Brasil avalia os avanços no combate à criminalidade transnacional com a Lei da Difusão Vermelha

  • Revista Prisma
  • Luiz Eduardo Navajas Telles Pereira

   

O Brasil obteve notável avanço, no final do ano de 2013, no combate à criminalidade transnacional: o surgimento no mundo jurídico da Lei nº 12.878, de 04 de novembro de 2013.

 

A Lei da Difusão Vermelha, como ficou conhecida nos corredores do Congresso Nacional, trouxe substancial alteração ao Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) na parte que dispõe sobre a prisão cautelar para fins de extradição.

 

Por que tal alteração merece ser comemorada e que benefícios a Justiça brasileira auferirá com a nova Lei? Impende esclarecer o papel da Difusão Vermelha no combate à criminalidade internacional e, para tanto, interessante se faz conhecer um pouco a Instituição que a criou e a disponibilizou como ferramenta padronizada de trabalho para todo o mundo.

 

OIPC/INTERPOL.

Criada formalmente em 1923, mas idealizada durante o 1º Congresso de Polícia Criminal Internacional ocorrido em Mônaco, em 1914, a INTERPOL, como é mundialmente conhecida, é a mais antiga e também a maior instituição internacional de cooperação policial no mundo.

 

O Congresso de 1914 marcou o início da era moderna na cooperação policial internacional. Foi a primeira vez em que representantes de instituições policiais, chefes de Estado, agentes diplomáticos, acadêmicos e outros se reuniram em um ambiente único para discutir o avanço da criminalidade entre fronteiras, e as formas de se combater essa tendência.

 

Ao final dessa reunião, considerada o mais importante encontro de polícias do mundo até então e que ainda hoje ocorre anualmente sob os auspícios da Assembleia-Geral da INTERPOL, os 26 países presentes, incluído o Brasil, definiram doze “intenções” que deveriam pautar o trabalho das polícias na seara da cooperação internacional (Summary of the Wishes).

 

Cento e noventa países compõem a Organização atualmente, diariamente trocando informações de caráter policial por intermédio

dos instrumentos disponibilizados, principalmente bases de dados e canal de comunicação, amplamente conhecido como I-24/7 (INTERPOL, 24 horas por dia, sete dias por semana).

 

 

Cada país membro indica uma instituição policial que o representará. No Brasil, coube à Polícia Federal esse papel em virtude das competências constitucionais e normativas da instituição.

 

Representatividade pela PF.

A Polícia Federal tem sua base legal consignada no Capítulo III da Constituição da República Federativa do Brasil. O artigo 144 da Magna Carta traz o rol dos órgãos que compõe o sistema de segurança pública no país, estando a Polícia Federal prevista no item I do artigo em comento.

 

O inciso I do §1º do art. 144 dispõe que cabe à instituição a apuração, dentre outras, de infrações cuja prática tenha repercussão internacional. Além disso, o inciso IV do mesmo parágrafo determina que cabe à Polícia Federal exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

 

Ao dispor sobre a competência da Justiça Federal, o inciso V do art. 109 da Constituição Federal consigna que caberá aos juízes federais o julgamento de crimes previstos em tratado ou convenção internacional. No mesmo diapasão, o art. 70 da Lei nº 11.343/06 diz que o “processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 dessa Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal”, o que também atrai a atribuição da Polícia Federal para sua investigação.

 

Ao regulamentar as previsões constitucionais e atender a legislação ordinária, o Poder Executivo, por intermédio do Decreto nº 6.061/2007 que trata da estrutura do Ministério da Justiça criou, no âmbito da Polícia Federal, a Coordenação-Geral de Cooperação Internacional - CGCI. Por sua vez, o regimento interno da Polícia Federal, aprovado pelo Sr. Ministro da Justiça por meio da Portaria nº 2.877/2011, previu a existência do Serviço de Cooperação Policial - INTERPOL, subordinado àquela Coordenação.

 

Dessa forma, compete hoje ao Serviço de Cooperação Policial – INTERPOL da Coordenação- Geral de Cooperação Internacional da Polícia Federal tratar dos temas afetos à cooperação policial internacional no interesse de investigações policiais, auxiliando autoridades policiais e judiciais brasileiras na obtenção de informações junto a congêneres estrangeiras, bem como executando pedidos de cooperação policial internacional provenientes de outros países.

 

Dentre os serviços realizados pelo Serviço de Cooperação Policial – INTERPOL, ou Escritório Central Nacional – ECN/Brasília, como conhecido no âmbito da Secretaria-Geral da INTERPOL, a solicitação de publicação de Difusões Vermelhas no interesse da Justiça Brasileira e localização e prisão de foragidos estrangeiros que se encontrem no Brasil, estão entre as principais atividades cotidianas da Unidade. Outros serviços são prestados pelo ECN/ Brasília as Polícia e Justiça brasileiras. Pelos limites do tema aqui debatido, nos ateremos a prisão de foragidos internacionais.

 

Difusão Vermelha.

Como dito acima, a Organização Internacional de Polícia Criminal – OIPC/ INTERPOL congrega 190 países e constitui-se na maior e mais antiga instituição na área da segurança pública internacional, tendo como principal missão oferecer aos países membros: 1. Serviço mundial de comunicação policial protegida; 2. Serviços de informação operacional e bases de dados com fins policiais; 3. Serviços de apoio policial operacional e 4. Formação e aperfeiçoamento policial.

 

Para cumprir suas atribuições, a INTERPOL disponibiliza uma série de serviços, recursos e procedimentos aos países membros. Assim, pode-se mencionar o ambiente seguro de troca de informações, chamado de Sistema I-24/7; as ações de capacitação em nível regional e mundial; o apoio operacional em catástrofes naturais (vg., identificação de vítimas no tsunami no Japão e no vôo Malaysia Airlines MH 17); e bases de dados de alcance mundial (passaportes e veículos roubados, pessoas desaparecidas, cadáveres), sendo a principal delas constituída por informações sobre pessoas foragidas da Justiça, também chamada de Canal Difusão Vermelha.

 

A Difusão Vermelha trata-se de verdadeiro “alerta” de âmbito mundial cujo objetivo é a localização e captura de foragidos internacionais para sua extradição ao país de cometimento do delito. Para sua publicação é indispensável a existência prévia de mandado de prisão cautelar ou definitivo, expedido por autoridade judicial competente. É o documento mais formal disponibilizado pela Organização aos países membros, por ser o único que poderá gerar restrições à liberdade de um indivíduo em quase todo o mundo.

 

Tão importante é a Difusão Vermelha, que lhe são dedicados 5 artigos com exclusividade no Regulamento da INTERPOL para o Tratamento de Dados. Esse regulamento prevê todos os procedimentos a serem adotados pelos países membros visando a adequação dos pedidos de cooperação internacional aos normativos da INTERPOL, trazendo as regras necessárias para a inclusão de informações nas bases de dados, condições para encaminhamento de pedidos de cooperação pelos canais seguros e outros.

 

O artigo 84 do Regulamento traz os requisitos para a publicação de uma Difusão Vermelha:

 

 

Artículo 84: Garantías ofrecidas por la Oficina Central Nacional o la entidad internacional solicitante

 

La Oficina Central Nacional o la entidad internacional solicitante deberán ofrecer garantías de que:

 

a) la autoridad que ha expedido la orden de detención o dictado

la resolución judicial está facultada para ello.

 

b) la solicitud de notificación roja se ha hecho en coordinación con las autoridades pertinentes responsables de las extradiciones, y se han dado garantías de que se solicitará la extradición tras la detención de la persona buscada, de conformidad con La legislación nacional o con los tratados bilaterales o multilaterales aplicables.

 

c) si la orden de detención no ha sido expedida por una autoridad judicial, la legislación Del país solicitante o las reglas de funcionamiento de la entidad internacional autorizada estipulan un mecanismo de apelación ante una autoridad judicial.

 

Destacam-se dois elementos principais: a legitimidade da autoridade que expede o mandado de prisão e a garantia de formalização da extradição em caso de prisão do foragido.

 

Dessa forma, ao encaminhar a solicitação de publicação de uma Difusão Vermelha para a Secretaria-Geral da INTERPOL em Lyon, França, o Escritório Central Nacional implicitamente garante que tomou as medidas no âmbito de sua legislação interna para o atendimento desses requisitos, reconhecendo que o mandado de prisão foi expedido por autoridade competente e que a extradição será pedida após a localização e prisão do indivíduo objeto da Difusão.

 

Além da formalidade necessária

à publicação da Difusão, recursos

técnicos foram agregados

a esse importante instrumento

visando à localização de um foragido

no território de qualquer

dos 190 países integrantes da

INTERPOL. Mais do que os dados

qualificativos existentes no

mandado de prisão que gerará a

Difusão, outros elementos podem

ser incluídos, como impressões

digitais, perfis de DNA, fotos,

etc. Com isso, desde que o país

membro tenha a estrutura tecnológica

para tanto, será possível

realizar consulta à base de difusões

(quaisquer delas) pelos demais

elementos de identificação.

Sistemas de reconhecimento facial,

leitores de impressões digitais,

exames laboratoriais, enfim

uma vasta gama de recursos tecnológicos

que auxiliarão a polícia

e a justiça a localizar foragidos e

desaparecidos em nível mundial.

 

 

No Brasil são recorrentes os casos de foragidos internacionais localizados e presos a partir do confronto de impressões digitais entre os sistemas das forças de segurança nacionais e o da Secretaria- Geral da INTERPOL. Em alguns casos, estrangeiros que há anos viviam no país valendo-se de documentos falsos que lhe proporcionaram outra identidade. Seja em consultas de rotina ou mesmo em investigações a eles direcionadas, recursos como cruzamento de digitais e projeção de envelhecimento permitiram às autoridades demonstrar à comunidade internacional que o Brasil deixou há muito de ser o “paraíso para fugitivos”.

 

Por tudo isso, a Difusão Vermelha é considerada valiosa ferramenta de trabalho que possibilita a localização e captura de foragidos internacionais e, em muitos países membros da INTERPOL tem força de ordem de captura internacional. Nesse contexto, é possível identificar três valorações atribuídas pelos países a esse importante instrumento, de acordo com suas respectivas legislações:

 

a. Ordem de Captura Internacional: a mera existência de uma Difusão Vermelha autoriza a imediata prisão do indivíduo, caso encontrado no território do país que a aceita nesses termos. Isso significa que esse país compreende que a Difusão pressupõe a existência de mandado de prisão expedido por um juiz do país interessado e deterá o foragido, apresentando-o às autoridades de seu próprio país. A partir da detenção o país responsável pela publicação da Difusão Vermelha, também chamado requerente, deverá formalizar o pedido de extradição, pelos canais adequados. Ex. Argentina, Peru, Portugal, Itália, Espanha;

 

b. Expedição de Mandado de Prisão a partir da existência de uma Difusão Vermelha: a Difusão Vermelha não terá valor de ordem de captura internacional para imediato cumprimento, porém autorizará as autoridades policiais do país onde o foragido for encontrado a detê-lo e apresentá-lo imediatamente perante um juiz, o qual decidirá se tal indivíduo será colocado em liberdade ou permanecerá preso aguardando a formalização do pedido de extradição no prazo legal, ou ainda autorizará a polícia a solicitar a prisão de um foragido à Justiça de seu país, com base na existência da Difusão Vermelha. Ex. Uruguai, Panamá.

 

c. Apenas informação: alguns países não atribuem valor legal à Difusão Vermelha, utilizando- a como informação para localização de foragidos internacionais. Após a localização, o país interessado deverá formalizar o pedido de extradição pelos canais competentes, e no bojo desse pedido haverá a solicitação para detenção cautelar do extraditando. Alguns países exigem apenas a confirmação do interesse na prisão por Nota Verbal a ser expedida pela Embaixada do país que publicou a Difusão. Ex. Estados Unidos, Inglaterra, Japão.

 

 

Como se verifica nas hipóteses acima, o entendimento quanto ao valor legal da Difusão Vermelha, bem como sua aceitação como ordem de captura internacional varia de acordo com a legislação de cada um dos 190 países membros. Afirmado que a Difusão Vermelha tem por finalidade única e exclusiva a prisão de um foragido para sua extradição ao país de cometimento do delito, convém aqui consignar algumas breves palavras sobre o instituto da extradição e qual o imprescindível papel da cooperação policial internacional na sua concretização.

 

Extradição. Existem duas espécies principais de extradição, a ativa e a passiva. Algumas legislações e tratados internacionais dividem ainda mais o instituto, prevendo a possibilidade de extradição voluntária, condicional, etc. Nos ateremos às espécies principais, vinculando-as com a cooperação policial e o papel da INTERPOL, nesse caso, tomando o Brasil como Estado interessado para título de exemplificação.

 

A Extradição Ativa é aquela na qual o Brasil buscará os foragidos da Justiça pátria que se dirijam ao estrangeiro para se evadir da aplicação da lei penal. Esses foragidos podem ser brasileiros ou estrangeiros que cometeram crimes em nosso território ou nos casos em que é possível a aplicação da extraterritorialidade da lei penal (Código Penal, art. 7º).

 

Prevista no Decreto-Lei nº 394, de 28 de abril de 1938, a Extradição Ativa exige a pré existência de mandado de prisãocautelar (temporária ou preventiva) ou definitiva (condenatória) e a localização do foragido em outro país. A partir dessa localização, que se dará normalmente por trabalho conjunto entre as polícias de ambos os países mediante intenso intercâmbio de informações, o juízo encaminhará a documentação necessária ao Ministério da Justiça, o qual remeterá o pedido formal via Itamaraty ao Estado requerido. A localização de um foragido para Extradição Ativa ocorrerá, de regra, após a publicação de uma Difusão Vermelha pela Polícia Federal a partir de solicitação do juízo interessado. Feito isso, o indivíduo passará a ser procurado internacionalmente nos demais 189 países que compõe a INTERPOL e, após localizado, o processo extradicional será deflagrado. Na Extradição Passiva o Brasil será demandado a localizar, prender e entregar um foragido à Justiça de outro país. Tanto a Constituição Federal quanto a legislação infraconstitucional trazem mais detalhes sobre a Extradição Passiva do que da Ativa, a qual é mencionada apenas do citado Decreto-Lei de 1938.

 

No âmbito da Carta Magna, a Extradição Passiva é mencionada em quatro oportunidades (art. 5º, LI e LII – restrições à extradição; art. 22, XV – competência para legislar e art. 102, I, g – competência originária do Supremo Tribunal Federal para julgamento de pedidos extradicionais). No ordenamento ordinário é possível encontrar menção ao instituto na Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), regulamentada pelo Decreto nº 86.715/81. Esses diplomas legais delineiam os procedimentos a serem observados para a tramitação de um pedido de Extradição Passiva, seus requisitos e pressupostos, além de prever a prisão cautelar para extradição. Existem ainda Portarias do Ministério da Justiça e o próprio Regimento Interno do STF tratando do assunto. No que se refere à prisão cautelar para extradição, o Estatuto do Estrangeiro, por ser lei anterior à Constituição Federal de 1988, prevê que o Ministro da Justiça “ordenará a prisão do extraditando, colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal” (art. 81). Essa prisão ministerial também era encontrada para a deportação (art. 61) e expulsão (art. 69). Com a reserva jurisdicional trazida pela Carta Maior de 88 (art. 5º, LXI), essa previsão não foi recepcionada pela nova ordem jurídico-constitucional. A Portaria nº 737/1988 - MJ, visando à adequação procedimental à nova realidade constitucional, dispôs que o Ministro da Justiça encaminhará ao Supremo Tribunal Federal os pedidos de prisão preventiva para extradição, procedimento esse adotado desde então.

 

A partir do final da década de 80 e durante toda a década de 90 e início dos anos 2000, a OIPC/ INTERPOL passou por drásticas mudanças estruturais, adotando a completa digitalização de todo o acervo, desenvolvendo sistemas que foram disponibilizados para os países membros, criando base de dados centralizadas em Lyon e acessíveis a todos os países (foragidos, desaparecidos, passaportes e veículos roubados, armas, DNA, etc).

 

O processo de modernização vivenciado pela Organização trouxe agilidade até então desconhecida à cooperação policial internacional. As polícias passaram a se falar diretamente por sistemas computacionais e sem intermediários, informações são intercambiadas em tempo real, enfim o mundo passou a se tornar um lugar cada vez menor para os criminosos, devido ao surgimento de um canal verdadeiramente ágil de comunicação policial. O sucesso das medidas não demorou a ser sentido fora do âmbito exclusivamente policial.

 

Vários acordos e tratados internacionais passaram a prever a utilização do canal INTERPOL para envio de documentos e informações mesmo que não relacionados a uma cooperação policial propriamente dita. Acordos de Cooperação Jurídica Internacional Mútua, preservando a figura da Autoridade Central, adotaram os sistemas informatizados da Organização para troca de informações e envio de pedidos de auxílio, em razão da agilidade do meio. Assim, o que antes era um canal criado por instituição de natureza meramente policial e utilizado para tramitação de informações dessa natureza, passou a atuar em outras áreas da Segurança Pública, cooperação internacional e realização da Justiça.

 

A própria Organização das Nações Unidas, na Convenção contra o Crime Organizado Transnacional (internalizada no Brasil pelo Decreto nº 5.015/2004) e na Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Decreto nº 154/1991) reconheceu a importância do rápido fluxo de informações entre os países com auxílio do canal INTERPOL.

 

A partir de então outros tratados trouxeram essa importante e útil previsão em seus textos. Para nos restringirmos aos tratados firmados pelo Brasil, além dos dois já citados, e trazendo o tema de volta para a extradição, vale mencionar os Acordos de Extradição firmados entre Brasil e Itália (Decreto nº 863/1993), Brasil e China (Decreto nº 268/2014) e Tratados Multilaterais integrado pelo país – Tratado de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Decreto nº 7.935/2013) e Tratado de Extradição entre os Países do MERCOSUL (Decreto nº 4.975/2004). Todos preveem o uso do canal INTERPOL para envio de pedidos urgentes.

 

Os avanços tecnológicos e legais possibilitaram a interconexão cada vez mais íntima entre os institutos da cooperação policial e da cooperação jurídica internacionais. Doutrinariamente, o primeiro visa à cooperação entre polícias, no interesse de investigações criminais e o segundo é a interação entre Estados para eficácia no estrangeiro de atos processuais do país requerente. Um é relativamente informal, de alcance mais limitado, porém mais ágil, enquanto o outro é formal, dependendo de regras normalmente prevista em Tratados, porém mais completo. E cada vez mais essa divisão vem mostrando-se insuficiente.

 

No contexto ora estudado, a extradição pode ser considerada espécie do gênero cooperação jurídica internacional. No mundo atual de fronteiras relativas, fácil mobilidade entre países e ausência total de limites digitais, o tratamento do procedimento extraditório vem sendo constantemente revisto visando a sua adequação à velocidade da Sociedade. A agilidade da cooperação policial internacional surge como imprescindível à eficácia desse cada vez mais importante instituto.

 

Dessa maneira, e tomando o procedimento extradicional como referência, para sua concretização é necessária a existência de um crime praticado no território de um determinado Estado, com a fuga do perpetrador para outro. A polícia do local do delito poderá pedir para a Secretaria-Geral da INTERPOL a publicação de uma Difusão Vermelha em desfavor do autor do ilícito, desde que presentes os requisitos já vistos e mediante manifestação expressa do judiciário.

 

 

Essa Difusão acarretará a prisão do foragido no país onde se encontre homiziado. Até o momento demonstrou-se apenas atos típicos de cooperação policial internacional, que levaram a identificação, localização e prisão do fugitivo. Após a efetivação da prisão para extradição, entrarão em cena os Estados Requerente e Requerido, cujos Judiciários falarão entre si por intermédio das respectivas autoridades centrais/ chancelarias para instrução do processo extradicional. Deferido o pedido, as polícias voltarão a se falar pelos canais de cooperação internacional visando acertar os detalhes da entrega do extraditando, a qual poderá ocorrer em aeroporto internacional ou fronteira terrestre. Efetiva-se a extradição com a formal entrega do preso pelas autoridades policiais do Estado Requerido às do Estado Requerente.

 

Mesmo com o avanço proporcionado pelo reconhecimento do canal INTERPOL como útil para tramitação de informações e documentos em caráter de urgência, uma lacuna permaneceu no Brasil.

 

Como mencionado alhures, o Estatuto do Estrangeiro já previa a prisão cautelar anterior à formalização da extradição, visando à concretização da medida. Ocorre que tais pedidos deveriam ser encaminhados pelo país interessado, mediante canais formais, e vertidos para o idioma português. Na prática o pedido de prisão cautelar se confundia com o próprio pedido de extradição, do qual era parte integrante. Essa necessidade de formalização do pedido no idioma pátrio demandava quantidade considerável de tempo, meses eventualmente, inviabilizando muitas vezes a efetivação da prisão para extradição e consequentemente do próprio processo extraditório.

 

A Lei nº 12.878/2013. Com a publicação da Lei nº 12.878/2013 em 05 de novembro de 2013, denominada informalmente de Lei da Difusão Vermelha, o canal INTERPOL passou a ser reconhecido como instrumento legítimo para encaminhamento de pedido de prisão cautelar com fins de extradição.

 

A Lei trouxe significativa alteração ao Estatuto do Estrangeiro, cujo §2º do artigo 82 passou a viger com o seguinte texto:

 

§ 2º O pedido de prisão cautelar poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro.

 

A partir da publicação da nova norma, o Brasil deixou de figurar entre os países que não atribuíam qualquer valor legal à Difusão Vermelha, passando a utilizar esse importante canal para instruir as representações por prisão cautelar com fins de extradição junto ao STF.

 

Dessa maneira, ao localizar um foragido internacional em território brasileiro contra o qual exista pedido de captura internacional consubstanciado na Difusão Vermelha, a Autoridade Policial brasileira traduzirá imediatamente o formulário da Difusão para o idioma português, e representará pela prisão. Cientes da sensibilidade que a captura de foragidos estrangeiros requer, os Ministros do STF têm expedido com a prontidão possível os Mandados de Prisão, reduzindo

 drasticamente o tempo entre a localização do foragido e sua detenção.

 

Após o cumprimento do mandado, o Escritório da INTERPOL no Brasil comunicará a medida ao país responsável pela publicação da Difusão Vermelha e a partir daí, nos termos da nova lei, o país requerente terá 90 dias para formalizar o pedido de extradição devidamente traduzido.

 

Requisitos.

A legislação brasileira prevê a prisão provisória ou cautelar desde longa data. A existência da segregação cautelar, criticada por uma parte da doutrina, justifica-se na manutenção da ordem pública, aplicação da lei penal e outros princípios, somados a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (art. 312 do Código de Processo Penal). Constitui-se verdadeira garantia da Segurança Pública em sentido amplo, na medida em que possibilita a detenção prévia de um indivíduo apontado como perpetrador de atos criminosos evitando-se um mal maior à Sociedade, desde que presentes os estreitos limites legais.

 

O Código de Processo Penal, em seu art. 13, IV, diz textualmente que a Autoridade Policial possui capacidade postulatória para a representação ao Juízo pela decretação da prisão preventiva. Além disso, a medida constritiva poderá ser decretada também a pedido do Ministério Público ou mesmo de ofício pela autoridade judiciária.

 

O Estatuto do Estrangeiro, na forma recepcionada pela Constituição Federal de 1988 e pela aplicação analógica ao ordenamento jurídico com ela nascido, passou a dispor que o Ministro da Justiça tinha a atribuição legal para representar ao Supremo Tribunal Federal pela decretação da prisão cautelar para extradição.

 

Desde então, importante vácuo normativo se criou, posto que a Autoridade Policial continuava com capacidade postulatória para representar em juízo pela decretação de prisão cautelar no âmbito de investigações criminais, mesmo em casos em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, porém não o era para obtenção de ordem judicial em desfavor de estrangeiros buscados para extradição, mesmo que a localização adviesse de intensos trabalhos de investigação policial em sentido amplo.

 

A Lei nº 12.878/2013, ao mesmo tempo em que trouxe o Brasil a posição de vanguarda no reconhecimento de importantes instrumentos internacionais de persecução criminal, ajustou a questão. A Autoridade Policial com atribuição de utilizar o canal INTERPOL para a identificação e localização de foragidos internacionais em território brasileiro poderá agora representar pela decretação da prisão cautelar com vistas a extradição.

 

Embora persista a necessidade de se reconhecer as diferenças técnico-jurídicas entre a prisão cautelar para extradição como condição de procedibilidade da ação extradicionale a prisão preventiva prevista no Código de Processo Penal (Ext. 1254, QO, Relator Ministro Ayres Britto, DJE de 20.09.2011), não menos importante é o instituto em estudo.

 

A prisão cautelar para extradição, assim como aquela prevista no estatuto processual, não prescinde de requisitos mínimos para sua decretação. De fato, ao consignar a prisão cautelar para extradição como condição de procedibilidade para o seguimento do pedido de extradição (art. 208, RISTF), a Corte Suprema reconhece a importância do ato para a concretização da medida extradicional, sob pena de dispêndio desnecessário de recursos públicos para uma medida custosa  e que, sem a presença física do extraditando, pode se mostrar ineficaz. A prisão para extradição é, assim, “necessária para prevenir a fuga, máxime no caso de acusado foragido no país de origem” (Ministra Rosa Weber, PPE 717/DF).

 

Com efeito, o estrangeiro que busca outro país para se evadir da aplicação da lei penal do local de cometimento do delito demonstra que não tem interesse em comparecer perante a Justiça para responder por seus atos. Não caberá nesse momento discussões complexas sobre a ocorrência do delito, indícios de autoria e materialidade e outros necessários à decretação da medida numa situação processual comum. O Estatuto do Estrangeiro coloca como condição de admissibilidade do pedido de prisão cautelar a notícia do crime cometido, exigindo apenas que esse pedido seja fundamentado em sentença condenatória, auto de prisão em flagrante, mandado de prisão ou mesmo a notícia de fuga do extraditando. Em julgamento recente, o Ministro Teori Zavascki reconheceu como presentes os pressupostos de admissibilidade “do pedido cautelar, a teor do art. 82, §’s 1º e 2º, do Estatuto do Estrangeiro”. Dispôs ainda que “a urgência é revelada pelo próprio tempo em que o requerido se encontra foragido....” e ao final entendeu por suficiente os documentos que embasaram a representação na “... documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro”, considerando os fatos narrados no formulário da Difusão Vermelha que embasou o pedido como as “circunstâncias em que cometido o crime...”. (PPE 711).

 

Conclusão.

O Brasil ingressou como país membro da INTERPOL no ano de 1953. Desde então, o país atravessou vários períodos legislativos diferentes, cada qual atribuindo sua carga de valores à normatização das relações. O advento da Constituição- Cidadã em 1988 elevou o país ao patamar dos países democráticos, tendo por prioridade o respeito aos Direitos Humanos.

 

Uma jovem democracia necessita de tempo para seu completo estabelecimento de forma que os cidadãos tenham a plena consciência de seus direitos. O país ainda enfrenta essa transição e cada vez mais vemos as Instituições Públicas fortalecidas para garantir o Estado Democrático de Direito. O crescente combate a corrupção (e menor tolerância popular a essa chaga) é talvez um dos maiores indicativos do desenvolvimento da Nação, o que culminará numa Sociedade mais justa e igualitária.

 

Nesse contexto, imperioso se torna a completa integração do país ao ambiente internacional cada vez mais presente na vida cotidiana dos cidadãos. Vários conceitos necessitam ser atualizados, entre eles a própria noção de soberania, tão cara à doutrina internacionalista. A internalização pelo Brasil da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, por intermédio do Decreto nº 7.030/2009, demonstra a vontade em modernizar o entendimento sobre sua relação com os demais países, materializada na assinatura de Tratados e Acordos. A partir da internalização dessa Convenção, os Tratados Internacionais passam a adquirir características de normas cogentes (pacta sunt servanda), alterando o entendimento até então imperante da existência de hierarquia entre as normas nacionais e aquelas previstas nos Tratados.

 

Na esfera da cooperação policial internacional ocorre o mesmo. A necessidade da rápida troca de informações entre polícias, mormente em áreas fronteiriças, a maior agilidade na localização e prisão de foragidos internacionais, instrução de investigações e mesmo ações penais, tudo isso em um mundo globalizado e informatizado, gera a maio responsabilidade dos países na busca de informações no exterior e no atendimento as demandas geradas pelos demais parceiros internacionais. E essa agilidade não pode prescindir da legalidade, respeito à soberania e legislações internas de cada Estado envolvido.

 

A Lei nº 12.878/2013 dá à polícia brasileira a agilidade necessária à prisão de foragidos internacionais. Muito ainda há para ser feito no que se refere à modernização de procedimentos e conceitos, porém há que se reconhecer o importante passo dado.

 

A OIPC/INTERPOL foi criada para auxiliar as polícias dos países membros a cooperar entre si, disponibilizando canais de comunicação e bases de dados. No ano em que comemoramos o centenário do 1º Congresso de Polícia Criminal Internacional, a polícia brasileira vem definitivamente ocupar seu lugar de destaque na comunidade policial internacional, passando a servir de parâmetro para outros países pela agilidade e excelência dos trabalhos realizados, os quais contam agora com importante aliado normativo para a proteção dos cidadãos brasileiros.

 

*Luiz Eduardo Navajas Telles Pereira é delegado de Polícia Federal, membro do Conselho Fiscal da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, professor da Academia Nacional de Polícia e chefe da INTERPOL no Brasil. de, respeito à soberania e legislações internas de cada Estado envolvido.


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