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31/08/2015 - 11:27:00

OPINIÃO

Enriquecimento Ilícito Presumido do Agente Público

Delegado de Polícia Federal aposentado faz minuciosa análise sobre improbidade administrativa com o enriquecimento ilícito por parte do agente público.

  • ADPF
  • Sebastião Lessa

   

O enriquecimento ilícito presumido, foi introduzido na legislação diante daquele quadro bastante preocupante, é dizer, do agente público que exterioriza sinais sugestivos de improbidade administrativa, fato advindo do acréscimo patrimonial flagrantemente incompatível com a correspondente remuneração.

Entre as questões que se têm como prioritárias, é saber, se o aludido comportamento censurável prescinde ou não da vinculação com o cargo exercido; o direito de apresentar contraprova; e o exato alcance do intercâmbio de informação sigilosa frente aos incisos X e XII, art. 5º, da Constituição Federal, matéria ainda debatida no c. Supremo Tribunal Federal (STF, RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 10.05.11, embargos de declaração conclusos; STF, RE 601.314, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, conclusos em 21.10.14).

Por oportuno, parece razoável afirmar, com plausível acerto, que a adequada aplicação dos dispositivos contidos nas Leis 8.429/92 e 8.730/93, muito teria contribuído para evitar ou minimizar o desmando, a corrupção e a improbidade administrativa.

Concluindo, proveitoso transcrever, no trato da moralidade e da responsabilidade do agente público, o art. 126-A, da Lei nº 8.112/90:

‘’Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública.   (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011)’’  (grifei)

SINDICÂNCIA PATRIMONIAL 
Editado com arrimo no art. 13, da Lei nº 8.429/92, o Decreto nº 5.483/05, tratou da sindicância patrimonial e assinalou no art. 7º:

‘’A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei no 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei no 8.730, de 10 de novembro de 1993.

Parágrafo único.  Verificada a incompatibilidade patrimonial, na forma estabelecida no caput, a Controladoria-Geral da União instaurará procedimento de sindicância patrimonial ou requisitará sua instauração ao órgão ou entidade competente.’’ (grifei)  (Decreto nº 5.483/05, art. 7º e § único)

Concluída a sindicância patrimonial e havendo indícios de patrimônio a descoberto, a autoridade competente determinará a instauração de processo administrativo disciplinar.

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO PRESUMIDO DO AGENTE PÚBLICO  (art. 9º, inc. VII, Lei n. 8.429/92)

A conduta punível do enriquecimento ilícito presumido, ou seja, em linguagem jurídica - em que há presunção; admitido como certo e verdadeiro por presunção - está modelada no inciso VII, art. 9º, acarretando as sanções previstas no art. 12, inc. I e § único, da Lei nº 8.429/92:

‘’Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

(...)
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.’’ (grifei)

(...)
‘’Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

...

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.’’  (grifei)

Em linha de princípio, trata-se de norma de conteúdo singular, eis que induz reconhecer a presunção relativa (juris tantum), mas, como é curial, admite prova em contrário, tudo em harmonia com o art. 5º, inc. LV, da Carta Política.

DOUTRINA
Com efeito, o enriquecimento ilícito presumido, está formatado no inciso VII, art. 9º, da Lei nº 8.429/92:

‘’VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.’’ (grifei)

O mencionado inciso, como dito, sugere o intitulado e debatido enriquecimento ilícito presumido, ou, na lição de José Armando da Costa, “norma presuntiva de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito.” (grifei) (Contorno jurídico da improbidade administrativa, Ed. Brasília Jurídica, 3ª ed., 2005, págs. 23 e 113).

Na análise do tipo, registra a lição de Waldo Fazzio Júnior: ‘’O agente público que adquire para si ou para terceiro, bens de valor desproporcional a sua evolução patrimonial ou aos seus estipêndios, no exercício de posição administrativa, é o alvo do art. 9º, VII, porque o acréscimo que aufere não tem causa conhecida.’’ (grifei) 

E mais: ‘’Retrilhando o percurso, o inc. VII não tem vida própria;  é mera exemplificação do caput do art. 9º.  Neste está gravada a conduta típica; nele deve encaixar-se a ação tida por ilícita.  Por isso, a conduta ilícita deve ocorrer em razão do exercício do cargo, função, emprego ou mandato.  A causa determinante do enriquecimento é a condição funcional do agente.  Ou não se trata de improbidade administrativa.’’  (grifei)


E continua: ‘’De tal arte que, se incumbe ao Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada formalizar a pretensão condenatória do agente público, cabe-lhe exibir as provas necessárias, expostas ao contraditório e a ampla possibilidade de defesa.

Suspeitas e presunções não constituem causa de pedir em ação civil de improbidade administrativa ou qualquer outra.  Ao réu compete a contradição e esta pressupõe imputação que deva ser contraditada.  Sem a imputação do ato de improbidade, não há como contestar nem o que contestar.’’ (grifei) (Improbidade administrativa, Ed. Atlas, SP, 2ª ed., 2014, págs. 177 a 181)


A bem de ver, a figura do enriquecimento ilícito presumido (art. 9º, VII, Lei nº 8.429/92), segundo parte da doutrina, não transmite a razoável segurança jurídica que emerge da convergência de opiniões.

Como estímulo ao debate e reflexão, a decisão do c. Superior Tribunal de Justiça:  

‘’6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e diretamente, vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo quando a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princípios basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera administrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da Receita Federal, apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à evolução do patrimônio e da renda – fato esse, aliás, que também está em apuração na esfera penal –, remetendo significativo numerário para conta em banco na Suíça, sem a correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência do art. 132, inciso IV, da Lei n.º 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei n.º 8.429/92.

7. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado.’’  (grifei)  (STJ, MS 12.536, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 26.09.08)

A propositado dizer que a citada decisão (STJ, MS 12.536), foi mantida em grau de recurso pelo c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS 28.919 DF, julg. em 16.12.14).

E mais:
‘’ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. SERVIDORES PÚBLICOS. RECEITA FEDERAL DO BRASIL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DOLO. COMPROVAÇÃO. ATO ÍMPROBO. EXISTÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA.

(...)
3. É inegável que por meio da assessoria tributária os servidores/apelados fizeram fortuna, conforme se constata pela acentuada evolução patrimonial de ambos, fato este devidamente comprovado nos autos e confirmado pelos próprios Recorridos.

4. In casu, não há como ilidir a aplicação da moldura normativa em relação a parte ré, que se valeu do conhecimento e das informações obtidas no desempenho de seu cargo, bem assim do prestígio de que dispunha à época na Receita Federal do Brasil e assinou contrato de prestação de serviços com a empresa privada contra os interesses de seu órgão de lotação, Receita Federal do Brasil. (grifei) (TRF 1ª R., AC 2007.34.00.032426-7, Rel. Des. Federal Ney Bello, DJF1 22.08.14).

(…)

‘‘Com efeito, nesta figura, o ato de improbidade não está condicionado à prova e individualização de um comportamento descrito no tipo genérico do ‘’caput’’.  Tal comportamento se presume pelo fato objetivo de ser apurada a aquisição de  ‘‘bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou renda do agente público.’’  O tipo do inciso VII exige uma aferição objetiva de diferença de bens e valores durante determinado período de tempo.’’ (grifei) (TJSP, Apelação nº 0018566-33.2013.8.26.0053, Rel. Des. Laerte Sampaio, Terceira Câmara de Direito Público, julg. 12.04.11).

DIREITO DE DEFESA (art. 5º, inc. LV, CF)
De início, é necessário consignar que no trato com os direitos e garantias fundamentais de primeira geração (art. 5º, inc. LV, CF), está escrito que:  ‘’aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’’ (grifei) (Cf.: STJ, RMS 10.574-DF, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02;  STJ, MS 6.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00).

Nesse contexto, não há como negar o direito de defesa (art. 5º, inc. LV, CF, mesmo na fase da sindicância patrimonial, nos termos inclusive do art. 8º, caput, do Decreto nº 5.483/05.

O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E A VINCULAÇÃO COM O ATO DE OFÍCIO - DEBATE

Tratando da matéria, a orientação exarada no Manual de Processo Administrativo Disciplinar editado pela e. Controladoria-Geral da União, Brasília, 2013, pág. 321:

‘’Assinala-se que se mostra desnecessária a comprovação do nexo causal do enriquecimento ilícito com o exercício da função pública.  Caso fosse imprescindível tal prova para a caracterização do ilícito comentado, a comissão apuradora teria uma tarefa hercúlea, quase impossível de ser cumprida.  Ademais, o inc. VII do art. 9º, da Lei nº 8.429/92 é um tipo disciplinar autônomo e específico, independente do caput do mesmo dispositivo.  Com isso, não é necessária a comprovação do recebimento de efetiva vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, prevista no caput do art. 9º, para a capitulação da conduta no inciso VII, posto ser independente.’’ (grifei) 

CONCLUSÃO
Diante de tais considerações, fundamentadas na doutrina e na jurisprudência, conclui-se: 

a) ‘’A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei no 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei no 8.730, de 10 de novembro de 1993.

Parágrafo único.  Verificada a incompatibilidade patrimonial, na forma estabelecida no caput, a Controladoria-Geral da União instaurará procedimento de sindicância patrimonial ou requisitará sua instauração ao órgão ou entidade competente.’’ (grifei)  (Decreto nº 5.483/05, art. 7º e § único);

b) A conduta punível do enriquecimento ilícito presumido, ou seja, em linguagem jurídica - em que há presunção; admitido como certo e verdadeiro por presunção - está modelada no inciso VII, art. 9º, acarretando as sanções previstas no art. 12, inc. I e § único, da Lei nº 8.429/92;


c) ‘’6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e diretamente, vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo quando a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princípios basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera administrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da Receita Federal, apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à evolução do patrimônio e da renda – fato esse, aliás, que também está em apuração na esfera penal –, remetendo significativo numerário para conta em banco na Suíça, sem a correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência do art. 132, inciso IV, da Lei n.º 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei n.º 8.429/92.  7. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado.’’  (grifei)  (STJ, MS 12.536, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 26.09.08)

A propositado dizer que a citada decisão (STJ, MS 12.536), foi mantida em grau de recurso pelo c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS 28.919 DF, julg. em 16.12.14);

d) Nesse contexto, não há como negar o direito de defesa (art. 5º, inc. LV, CF), ainda na fase da sindicância patrimonial, pela inteligência do art. 8º, caput, do Decreto nº 5.483/05:

‘’Art. 8o  Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9o da Lei no8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.’’


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