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27/09/2017 - 10:04:51

ARTIGOS

Sérgio Moro e a Lava Jato

Artigo do ex-ministro da Advocacia-Geral da União, Fábio Medina Osório, publicado na Folha de S. Paulo no último domingo (24/09)

  • ADPF
  • Fábio Medina Osório

   

Recentemente, numa declaração reproduzida no jornal New York Times, o Juiz Federal Sérgio Moro disse que o caso conhecido como "Lava Jato" representa o fim da impunidade como regra no Brasil, especialmente para a corrupção e os crimes correlatos. Mas, segundo ele, é preciso saber se haverá uma transformação permanente ou apenas temporária.


Nesse cenário, vale refletir: concorde ou não, Sérgio  Moro simboliza uma face do novo Brasil, embora a operação Lava Jato se revele uma engrenagem complexa e sofisticada, que envolve respeitadas instituições e profissionais qualificados, éticos, e abnegados. Estamos falando de servidores e membros do Ministério Público Federal,TCU, CGU, PGFN, AGU, COAF, Cade, Receita e Polícia Federal. Vale destacar, ainda, o papel dos desembargadores e ministros de Tribunais Superiores que vem ratificando entendimentos importantes no combate à impunidade. Sempre procurei defender a compatibilidade dos direitos fundamentais dos acusados com a defesa dos interesses gerais da coletividade, e isso começa a prevalecer no Brasil.


A afirmação da jurisdição de Sérgio Moro permitiu que se visualizassem os ilícitos de uma forma integrada e coerente, algo essencial à percepção do crime organizado e suas múltiplas vertentes. Trata-se de um Magistrado técnico, com visão unitária e completa sobre os fatos abrangidos na "Lava Jato", conhecido por seu perfil correto e idôneo. Uma característica central do Juiz Moro – não há quem discorde - é sua dedicação ao estudo minucioso e profundo, até detalhista, dos processos sob sua jurisdição, o que certamente fez a diferença para o sucesso da operação desde o seu nascedouro.  


Mesmo os adversários de Sérgio Moro reconhecem nele alguns traços basilares, inerentes ao bom Magistrado: ele fundamenta de forma consistente suas decisões e conhece bem o direito aplicável à matéria penal, especialmente quanto aos crimes do "colarinho-branco". As críticas, e divergências, são inerentes ao ofício jurídico, assim como eventuais equívocos que podem ser corrigidos por recursos. As audiências nesses processos criminais costuma ser gravadas e públicas, mostrando transparência e a forma republicana na condução dos trabalhos e no tratamento dispensado aos advogados.


A Operação "lava jato"  posicionou  o Brasil  num patamar de visibilidade positiva no cenário mundial, incluindo-o no rol de países compromissados com o combate à corrupção. Uma decorrência dessa nova cultura é a visão de instituições de Estado, que começa a se enraizar na sociedade. A agenda anticorrupção não pertence apenas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, mas também ao Poder Executivo, cujos braços, através da Polícia Federal e de outros órgãos, tem participado ativamente dessa construção, não obstante a falta de compreensão de parcela da classe política.


Em uma palestra recente, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, lembrou que algumas instituições, antes consideradas de Governo, passaram a ser reconhecidas como de Estado. Isso ocorreu com o Judiciário, com o Ministério Público, e agora com a Polícia Federal, que pleiteia mais autonomia orçamentária e administrativa.


Diante dessa nova realidade, também o setor privado torna-se responsável pelo combate à corrupção, por meio das exigências de integridade corporativa e de respeito à legislação anticorrupção. Trata-se de um outro efeito da era pós lava jato e de uma adaptação do Brasil a imperativos do sistema global. Empresas privadas necessitam combater práticas ilícitas e cooperar com as autoridades públicas nesse enfrentamento.


O Juiz Sérgio Moro tem muito a ver com toda essa nova cultura anticorrupção no Brasil. Pode-se afirmar que é parte desta transformação, ainda que na condição de uma "face" ou símbolo deste Brasil que pode emergir com uma poderosa agenda econômica ligada à solidez das instituições democráticas e republicanas.


Então, quais são as ameaças a todo esse processo civilizatório em curso?  Um risco seria as instituições confundirem autonomia com corporativismo, arbitrariedade e falta de limites às suas ações, incorrendo numa espécie de deslumbramento com os holofotes. Outra ameaça, seriam legisladores atuarem em causa própria, ou investigados tentarem desconstruir a operação a partir de ataques à reputação dos investigadores e julgadores, valendo-se do poder político e econômico.


A população dirá em 2018, o rumo a ser trilhado. Tudo indica que esse caminho não terá retrocesso, pois a sociedade, por meio da imprensa e das redes sociais, permanecerá atenta e vigilante. O cidadão exercerá, pelo voto, suas escolhas pautadas por juízos cada vez mais críticos e maduros.


Todavia, a Democracia não se esgota no voto. Como já alertava Eduardo García de Enterría, um dos maiores juristas contemporâneos, o voto nunca foi, e nem será, um cheque em branco para o cometimento de crimes. Assim, mesmo aos eleitos, ou aos concursados, ou aos nomeados, vale a advertência que estão sob o impérito da Constituição e que a lei vale para todos. A desobediência pode acarretar perda de mandato, de função pública e até prisão. A democracia nunca pode ser confundida com impunidade. O recado que o Brasil vem passando ao mundo é muito claro: aqui impera um Estado Democrático de Direito.

 


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