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31/12/2012 - 13:53:52

OPINIÃO

Videoconferência no processo penal

O Delegado Federal Jonas Catunda defende o instrumento em prol da agilidade do processo e da economia de recursos ao Poder Público

  • Revista Prisma
  • Jonas Catunda Junior

   

Ao tempo em que se vê a crescente adoção de sistemas informáticos para a prestação de serviços mais céleres aos jurisdicionados, ainda se nota uma forte oposição à implementação de sistemas audiovisuais que permitam a coleta de provas a distância, especialmente no curso de procedimentos criminais.


O ponto principal de discussão do presente artigo está, sobretudo, no chamado interrogatório on line, para tomada, por videoconferência, de declarações de acusados em ações penais. Covém mencionar que há, também, algumas divergências quanto à aplicabilidade da videoconferência em depoimentos testemunhais, embora, nesse aspecto, as controvérsias sejam menores.


Vale salientar, desde logo, que o tema é eminentemente polêmico, estando longe de haver um entendimento majoritário tanto do ponto de vista doutrinário quanto jurisprudencial. Ao contrário, inúmeras discussões giram em torno do tema e, entre os doutrinadores, há duas posições antagônicas e bem definidas: alguns são energicamente contra; outros, incondicionalmente a favor. Para muitos, esse método de interrogatório (on line) ofenderia vários pricípios constitucionais, bem como Tratados Internacionais. Para a outra corrente, não há nenhuma inconstitucionalidade, mas, sim, a valoração de inúmeros princípios previstos na Constituição Federal.


A Lei nº 10.792/03 deu nova roupagem ao procedimento do interrogatório, alterando o art. 185 e seguintes do Código de Processo Penal, sofrendo um incremento com a Lei nº 11.900/09, que passou a prever a utilização de sistemas de informática e outros recursos audiovisuais no Processo Penal.


Com a edição da Lei 11.900/2009, abre-se a possibilidade da oitiva de testemunhas por meio da videoconferência. O Código de Processo Penal traz em seu art. 222, do CPP, que a testemunha residente fora da jurisdição do juiz será ouvida por meio de carta precatória, devendo as partes ser intimadas para o feito.


A novidade é que, com a edição da nova lei, os mesmos meios tecnológicos utilizados no interrogatório podem ser utilizados para ouvir testemunhas que estejam presas ou que residam em outra cidade para prestar depoimento, reconhecer pessoas ou coisas, ou participar de acareação.


Vale ressaltar a possibilidade oitiva de tesmunhas ser realizada durante a realização da audiência de instrução e julgamento, o que tornaria mais rápido a conclusão do processo, pois, muitas vezes, principalmente quando a carta precatória é enviada para cidades distantes, há uma demora de meses para o cumprimento da ordem emanada pelo juízo deprecante.


Embora seja conveniente a implantação gradativa do sistema de videoconferência criminal no Processo Penal brasileiro, tendo em vista as dimensões continentais do Brasil e a necessidade de eliminar formas procedimentais burocráticas, reconhece-se que há forte oposição de respeitáveis juristas e entidades associativas.


Há inúmeros prós e contras nesse debate sobre o interrogatório on line, que tem contornos constitucionais focados principalmente na proteção do direito da ampla defesa, sendo menos numerosa a contrariedade no que se refere à viabilidade tecnológica e jurídica do sistema quando adotado para a ouvida de peritos e testemunhas, bem como para a realização de sustentações verbais a distância, ou seja, mais se critica o teleinterrogatório do que propriamente a realização de outros procedimentos judiciais por meio da videoconferência.

|POSIÇÃO CONTRÁRIA. Defendem que o interrogatório é ato pessoal, e a adoção do sistema implicaria perigosa ruptura do dever jurisdicional.


Indagam, inicialmente, a inconstitucionalidade do referido procedimento à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, de modo que todo acusado tem o direito de falar direta e pessoalmente com seu julgador. Há ofensa a outros princípios constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal (previstos nos incisos LV e LIV, do art. 5º, da Constituição Federal), bem como o princípio da publicidade (acolhido do art. 93, IX, da Constituição Federal).


O interrogatório on line infringiria também o disposto no caput do art. 185, do Código de Processo Penal, o qual estatui que o acusado tem o direito de comparecer perante a autoridade judiciária. No mesmo sentido, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em seu art. 7º, §5º , e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova York), em seu art. 9º, §3º .


Por fim, argumenta-se que o reconhecimento do acusado pela vítima e testemunhas ficaria prejudicado, tendo em vista que a imagem do vídeo distorce a imagem real, prejudicando a verificação da altura e da cor da pele do acusado, por exemplo.

|POSIÇÃO FAVORÁVEL. Dentre os apoiadores desse sistema de interrogatório, não se pode deixar de mencionar o Juiz que realizou o primeiro interrogatório por videoconferência no país, Dr. Edison Aparecido Brandão. Em artigo publicado na Revista dos Tribunais, o magistrado que presidiu o ato defendeu sua validade à luz da jurisprudência, refutando as críticas então formuladas : “A decisão pioneira, por si só, não apazigua alguns espíritos conservadores, que nisto e em quase tudo, veem ameaças a direitos fundamentais dos cidadãos”. Acrescenta ainda o magistrado que “é bastante estranho que, no final do século XX, se imagine ainda que o uso da videoconferência deixaria desguarnecido o réu em seus direitos fundamentais”.


Segundo Brandão, algumas críticas feitas ao interrogatório on line não tem qualquer profundidade, quando dizem, por exemplo, que o réu se sentiria atemorizado em relatar expressões a que estaria sofrendo dentro do presídio. Cabe perguntar se, quando o réu é interrogado no fórum, também policiais ou servidores do presídio o acompanham, sendo óbvio que o que ele disser ali será por eles assistido. No que tange à publicidade do ato, por vezes levantada como um dos óbices do interrogatório virtual, para os defensores desse sistema, também não deve ser considerada. Segundo Juliana Fioreze:

“Com a moderna tecnologia, milhares e milhares de pessoas podem assistir ao ato simultaneamente, como de resto inúmeros atos são assistidos em nível mundial, simultaneamente, via internet. O acesso à informação no processo nitidamente estará sendo democratizado, eis que, de qualquer ponto do mundo, qualquer pessoa pode assistir ao ato que bem entender. É o princípio da publicidade levado a limites insuspeitos”.


 Dotti , um dos oposicionistas do interrogatório virtual, argumenta o seguinte:


“É preciso ler os lábios as palavras que estão sendo ditas; ver a alma do acusado através de seus olhos; descobrir a face humana que se escondera por trás da máscara do delinquente. É preciso, enfim, a aproximação física entre o Senhor da Justiça e o homem do crime, num gesto de alegoria que imita o toque dos dedos, o afresco pintado pelo gênio Michelangelo na Capela Sistina e representativo da criação de Adão”.


Discordando do entendimento de Dotti, o jurista Leandro Nalini  rebate essa assertiva:


 “Peço desculpas ao eminente Professor René Ariel Dotti, mas há um erro gravíssimo nessa sua afirmação: os dedos do criador e da criatura não se tocam. Não se tocam porque o ser foi criado à sua imagem e semelhança e lhe foi dado plena liberdade de escolha”.


Pelo sistema até aqui concretizado fisicamente, o magistrado não vê o rosto do acusado. Aduz a corrente simpatizante do interrogatório on line que isso já ocorre com muita frequência, seja quando o interrogatório é feito por precatória, seja quando é o Tribunal que condena o acusado. Alega também que as expressões corporais são suscetíveis de interpretações diversas. O juiz não pode registrar nos autos a sua impressão (subjetiva) dos movimentos corporais do acusado, e não pode julgar fundamentando-se apenas em questões subjetivas quanto à personalidade deste. Nesse mesmo entendimento, Ronaldo Batista Pinto  assevera que:


“Outro dado um tanto polêmico, ainda no mesmo tópico, é que se refere à necessidade da presença do réu, no interrogatório, próximo ao juiz (quer dizer, no mesmo ambiente), a fim de que todas as suas reações sejam captadas. Primeiro que não se tem notícia de interrogatório no qual o juiz tenha feito consignar que, ao formular determinada pergunta, viu-se o réu acometido de intenso rubor facial ou de tremor nas mãos. Segundo que essa espécie de constatação viria carregada por tamanho subjetivismo que a tornaria incapaz de conter algum valor probatório ou de prestar-se como elemento de defesa em favor do réu”.


Sendo o interrogatório realizado com som e imagem em tempo real, preserva-se o contato visual e auditivo entre o juiz e o interrogando. O diálogo garante a livre manifestação de vontade do interrogando, sobretudo porque, tanto na sala de audiências quanto na sala do presídio, o ato está sendo acompanhado por defensores distintos, nomeados em favor do acusado. Não ver o rosto do acusado não quer dizer que o juiz perdeu a sensibilidade. Ao acusado deve-se dar a oportunidade, no interrogatório, de apresentar sua defesa da melhor maneira possível.


A grande vantagem do sistema, sem dúvida, consiste na possibilidade de se conferir maior celeridade ao processo. Celeridade que, é preciso se ressaltar, não é benéfica apenas à sociedade, que tem uma resposta mais eficaz frente ao delito cometido, mas, principalmente, ao réu que, preso, vê sua situação mais rapidamente definida.


As constantes delongas que assolam o regular andamento do processo, causadas, como já apontado, por problemas no deslocamento dos réus presos (isso sem falar nas megaoperações organizadas para o transporte de acusados perigosos, em que até helicópteros são utilizados e enorme contingente de pessoal mobilizado) são evitadas com o interrogatório a distância.


O assessor especial da Presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba, Juiz Bezerra Filho , posiciona-se favorável ao interrogatório por meio de videoconferência pelo fato de esse sistema oferecer economia para o Estado, como escolta, combustível e depreciação de veículos. Além de evitar riscos à segurança do réu, o sistema afasta qualquer possibilidade de resgate, por não haver deslocamento do preso. Como exemplo, cita um acontecimento trágico que ocorreu no interior do estado da Paraíba: “houve um caso ocorrido em Campina Grande, onde o preso, que foi prestar depoimento, acabou morto por familiares da vítima, dentro do Fórum. Isto não mais acontecerá”.


O fato de não precisar deixar o presídio para ser ouvido pelo juiz minimiza o risco de eventuais fugas durante o traslado, constitui um benefício para quem transita pelos corredores do Fórum ou do Tribunal e da população em geral, além de gerar economia para os cofres públicos e, algumas vezes, evitar constrangimento para os sentenciados.


Em artigo produzido pelo Delegado de Polícia Federal, Rodrigo Carneiro Gomes , este disserta:


“Em prol do uso de sistemas informatizados para interrogatório à distância pesam fortes argumentos, como coibição de fugas e resgate de presos no transporte com escolta policial no trajeto presídio-fórum-presídio; celeridade processual; economia para os cofres públicos; realocação de policiais em suas funções primordiais de patrulhamento e garantia da ordem pública; inexistência de vedação legal e o fato de o CPP admitir a realização de qualquer meio de prova não proibido por lei.


Do ponto de vista prático, e com observação da realidade social, da qual o bom magistrado nunca se distancia, lembramos que foi intensamente debatido, nos meios de comunicação, o passeio aéreo, com dois dias de duração, proporcionado a conhecido traficante, trasladado em confortável aeronave (na quase totalidade das operações policiais federais, recorre-se a aviões cargueiros para transporte de policiais) do presídio federal no Paraná para audiência no Rio de Janeiro, com estada na Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo. Contabilizadas as despesas realizadas com transporte aéreo e hangar, diárias dos policiais da escolta e manutenção da aeronave, o gasto estimado é de 20 a 30 mil reais”.


Em recente reunião entre a Defensoria Pública da União e o Diretor do Sistema Penitenciário Federal, Arcelino Vieira Damasceno, sobre a utilização de videoconferência como forma de viabilizar a comunicação do preso em audiências, Arcelino Damasceno  frisou:


 “A utilização da videoconferência, que consiste em um sistema com transmissão de som e imagem em tempo real, pode ser uma solução segura e econômica para a realização de audiências.
Precisamos resolver esse problema carcerário que existe. As videoconferências são uma forma de sanar gastos e ajudar na segurança pública. Quando um preso precisa ser deslocado para uma audiência em outro estado, em média R$ 145 mil são gastos. Com essa proposta iremos gastar três mil reais”.

|CONCLUSÃO. Com a edição da Lei nº 11.900, de 8 (oito) de janeiro de 2009, logrou-se legitimar o uso desse recurso tecnológico na prática forense pátria, na tentativa de diminuir as desastrosas consequências do sistema prisional, sobretudo no que diz respeito ao uso de aparelhos de videoconferência para a realização de interrogatórios dos réus, gerando rapidez, celeridade e informalidade dos atos processuais, sem atingir o direito de defesa do réu.


A videoconferência, hoje, causa a mesma reação provocada pela máquina de escrever ou a estenotipia. Toda mudança de paradigma implica traumas. O Judiciário não pode ser um excluído digital ou informacional. A modernidade tem de se harmonizar com a plenitude de defesa. A medicina já usa toda aparelhagem informatizada para salvar vidas. Do mesmo modo, desse aparato deve-se valer o Judiciário para assegurar a liberdade, assim como sua conciliação com outros direitos fundamentais.


Brilhantemente ensinou Juliana Fioreze: “O Direito deve adaptar-se às mudanças, pois, se contrário fosse, o Direito positivo seria um obstáculo ao progresso, monólito, inútil, firme, duro, imóvel, a atravancar o caminho da civilização, ao invés de cercá-la apenas de garantias. Nesse sentido, a interpretação e a aplicação do Direito devem levar em consideração a realidade sociocultural atual, para lograr aceitabilidade ou razoabilidade”.


Portanto, é hora de ser admitido um relativo sacrifício aos moldes tradicionais da realização dos atos judiciais solenes, em prol da agilidade do processo e da prestação jurisdicional mais célere, bem como na geração de economia ao Poder Público.


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