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31/12/2012 - 14:55:54

MEMÓRIA VIVA

Devaneios históricos de um passado distante

Confira o empolgante relato do delegado de polícia federal aposentado Aparecido Lopes Feltrim sobre a Operação Café. Eram tempos em que a Polícia Federal não contava com os recursos tecnológicos atuais e investigar e combater o crime podia se tornar uma aventura épica

  • Revista Prisma
  • APARECIDO LOPES FELTRIM

   

“A vida é uma viagem a três estações: ação, experiência e recordação”, Júlio Camargo, escritor

O tempo é implacável! Basta um simples lampejo cerebral para recordar décadas passadas...


Assim, como no acender de uma luz, veio-me à mente a existência em meus arquivos de todos os relatórios elaborados durante os quase vinte e cinco anos na carreira “profissional” de delegado de polícia federal, em cujo embrião teve a denominação de inspetor. Sim, inspetor. Isto em 1976.


Foi uma luta para substituir tal denominação.


Tenho inúmeras pastas contendo minha história, tanto na condução de inquéritos policiais, quanto em atividades operacionais, correicionais/disciplinares e, sobretudo, de fatos relevantes ocorridos em dez lotações diferentes, em seis Estados e Distrito Federal, ocupando desde uma simples chefia de Seção Administrativa, passando pela direção de Órgãos Centrais do Departamento de Polícia Federal (DPF), até nomeação por ato presidencial, no Ministério da Justiça.


Sem dúvidas, foi uma carreira com altos e baixos, com alegrias, incompreensões e tristezas; com vitórias e derrotas; com muitos amigos e outros tantos inimigos (dentro e fora do Departamento); ameaças, traições, troca de tiros, muitos habeas corpus, alguns mandados de segurança.


Mas o starter atual conduz para os anos de 1979/82, quando chefiei por cinco ou seis vezes, equipes da “Operação Café”, lotado na então denominada Divisão de PF, em Londrina/PR.


Foi - sem qualquer receio de errar - o período de maior desempenho de minhas atividades operacionais, talvez pela idade, quiçá pelo entusiasmo, sabe-se lá!


Época anterior à “Constituição Cidadã”, em que a autoridade policial detinha a prerrogativa legal de adentrar qualquer residência ou expedir mandado de busca, decorrentes de investigações, efetuando-se, em consequência, apreensões e prisões.


Métodos científicos? Só nos cinemas, com exceção de alguns adquiridos no Curso de Técnica de Interrogatório, que participei na Escola Nacional de Informações (EsNI), em 1977.


Muitos dos capacitados e eficientes policiais atuais sabem o que representou verdadeiramente a EsNI para o DPF?


Interceptações telefônicas, sistema guardião, controle externo, setor de inteligência, viaturas com GPS, grupos de operações especiais, “escritórios”, frota e pilotos de aeronaves policiais, computadores, cruzamentos de dados financeiros, quebras de sigilos, radares, rastreadores, microship, interceptação VOIP?


Quimeras...


A improvisação, o discernimento pessoal, a astúcia dos agentes, falta de verbas, de equipamentos, viaturas e combustíveis, até o racionamento de gasolina que atingiu o país em 1979, nos alcançou.


Quantos flagrantes ou apreensões foram realizadas utilizando-se de uma máquina de escrever portátil, sobre o capô de um Fusca. Sim, Fusca!


A Veraneio veio bem depois, em razão das chuvas que danificavam as estradas avermelhadas e férteis daquele estado. Entretanto, inúmeras noites foram passadas no interior das mesmas, atolados em lamaçais ou com problemas mecânicos, onde cinco servidores acotovelavam-se no interior das viaturas. E praguejando!


Feliz da equipe que levava consigo uma corrente para “traçar” os pneus da veraneio; uma chave de fenda para regular o platinado do carburador, sendo muita das vezes substituída pelo “cão” do revólver Taurus. Isto para quem tinha a “manha de mecânico”. Não era o meu caso...


As dificuldades surgiam de surpresa.


Ora uma queda de energia, que permanecia por longos dias, diante da precariedade das estradas, instalações elétricas incipientes, ainda no início da energia rural; ora a falta de comunicação com o mundo exterior, tanto via rádio SSB, quanto por telefonia, esta, existente quilômetros de distância, nas pequenas cidades como Icaraíma, Loanda, Santa Cruz do Monte Castelo, Santa Isabel do Ivaí.


Identicamente, complicações legais surgiam sempre quando de alguma apreensão, prisão em flagrante ou consultas sobre veículos furtados. Nestes casos, com prazos definidos, as equipes se superavam e demonstravam seus verdadeiros valores.


Na hipótese de alguma enfermidade, ferimentos ou algo do gênero, era a maior tensão e desgaste emocional. Somente quem enfrentou verdadeiramente aqueles momentos é capaz de dimensionar as agruras passadas.


O planejamento operacional daquela histórica “Operação Café” era perfeito e fora elaborado e colocado em prática pelo Dr. Marabuto, um competente delegado de polícia federal, que esquadrinhou toda a fronteira do Paraná e Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Identificou previamente os pontos estratégicos e locais para as bases operacionais e de vigilância, além de estabelecer as tarefas de todas as equipes, tanto as fixas quanto as móveis.


As primeiras compostas por agentes federais e fiscais; as segundas por delegados, agentes, escrivães e fiscais fazendários e do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), todos selecionados de diversos estados e sempre de forma alternada.


Assim, de Querência do Norte/PR (Pontal do Tigre) até Presidente Epitácio/SP, passando necessariamente por Foz do Iguaçu e Guaíra em torno de 500 km, conforme lembranças a seguir oxigenadas, com suas bases em pequenas cidades, trailers, barracas e algumas vezes no interior de viaturas, servidores destemidos, muitos ainda vivos (quase todos), guardam recordações de diferentes sentimentos.


Paralelamente a tais atividades operacionais, o planejamento previa, também, grandes incursões em armazéns localizados em cidades previamente identificadas, por meio de importantes comerciantes daquele cereal, bem como nos portos de Paranaguá, Santos e outros.


Eram as ações das denominadas “Betas”, de 1 a 5, que se deslocavam permanentemente, sempre comandadas por um delegado.


O foco era impedir o transporte de carregamento de café, além das fronteiras, numa ocasião em que fora noticiado ser o Paraguai o maior exportador de café da América do Sul, sem produzir um grão sequer.


Para dificultar ainda mais a missão, haviam os transportes aéreos, realizados por pequenas aeronaves suportando até quinze sacas do cereal, utilizando-se de pistas clandestinas, tanto para enviar o produto quanto para trazer mercadorias contrabandeadas ou grandes quantidades de maconha “manga rosa”.


Se não bastassem tais vicissitudes, tínhamos que enfrentar os servidores que se corrompiam, facilitando a passagem de frotas de caminhões para o vizinho país guarani.


Era uma luta inglória! Ademais, algumas vezes os recursos de diárias e de manutenção chegavam, por meio do IBC, com atraso...


Não sei se era coincidência ou obra do acaso, mas via de regra eu era consultado para chefiar equipes das “Betas” 3 e 5, nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro ou julho. Datas festivas!


As alegrias decorriam das boas apreensões realizadas; das emoções durante as abordagens, quase sempre noturnas; as visitas aos postos fixos, com seus cardápios alimentares diferenciados dependendo da localidade, originária dos policiais e outros servidores ali lotados temporariamente e, sem dúvida, ao término da missão, às vezes prorrogadas por mais de 45 ou 60 dias, com o ansioso encontro familiar, período em que quase todos ainda jovens, possuíam filhos de pouca idade.


Como esquecer as incursões no Porto Meira, P.2 (Santa Terezinha); a cidade de Santa Helena, base da Beta 3, que além dos já citados, cobria as áreas de Pato Bragado e Porto Mendes, Porto Stacamaqui ou Chevrolet, onde ocorreu troca de tiros com contrabandistas paraguaios, posicionados na outra  margem do Rio Paraná, isto tudo antes de formar o lago de Itaipu e consequente desaparecimento do Salto das Sete Quedas, em Guaíra.


Da mesma forma, o Porto Figueira, Porto Caiuá (Pontal do Tigre e Hotel da Dona Fidelina), Porto Camargo, Porto Rico, Porto São José, Rosana e Porto Primavera, jurisdição da Beta 5, com base em Querência do Norte, além do Porto Quinze de Novembro, em Bataguassu.


Como esquecer o Dr. Moisés, então chefe da Delegacia de Guaíra, um batalhador incansável nesta labuta, que tempos após militamos juntos na Sede da Polícia Federal.


Dr. Nelson Gomes, meu dileto amigo, também de competência inconteste, hoje aposentado e esquecido no Guará/DF, o qual com certeza cristalina, ao ler tais recordações ficará com o orgulho transbordando e os olhos umedecidos.


Pena que não temos mais entre nós, todos os delegados arrojados que enfrentaram tais momentos e “rasgaram aquelas margens ribeirinhas”, como Alaor Martins Arruda e Paulo Marcelo Zimmermann, ambos ao lado do Grande Arquiteto do Universo, orgulhosos do que plantaram em nossos corações e semearam lições para muitos servidores do Departamento de Polícia Federal.


Assim, ao concluir, creio que o contrabando de café ao Paraguai somente foi dificultado graças a valorosos policiais federais, servidores da Secretaria da Fazenda do Paraná e fiscais do IBC, que dedicaram seus esforços para o cumprimento de suas obrigações, tendo, indubitavelmente carreado importantes valores à União, com as significativas apreensões de carretas, caminhões, aeronaves, veículos utilizados por batedores, barcos e muitas sacas do mencionado cereal, além de substâncias entorpecentes e diversas mercadorias estrangeiras em quantidades.


Torna-se desnecessário mencionar que aquelas ações policiais possuíam um sabor especial e emoções indescritíveis, diferentemente de assentar-se atrás de um computador pesquisando e analisando textos, via internet, sem querer desconsiderar tais ações, que no mundo atual, cibernético e interligado por redes de computadores, traduzem uma nova maneira de se fazer polícia, também eficaz.


Num paralelo simplista, o prazer em obter um dado novo, uma informação preciosa, a confirmação de remessa de divisas, um perfil da moderna investigação, valendo-se de recursos sofisticados, alguns citados alhures, confunde e corresponde com a busca realizada em carregamentos de ossos, de madeira, de carvão, de cereal, de sucata, após noites insones, mal alimentados, sem qualquer equipamento capaz de identificar camufladamente uma carga de drogas, de bebidas ou qualquer produto ilícito, isto porque os mesmos objetivos foram alcançados.


Ofereço um último tributo àqueles inúmeros servidores que batalharam no passado - decorridos pouco mais de 33 anos - , que fizeram a história do Departamento da Polícia Federal, numa determinada região nacional, que requeria a participação de homens e mulheres selecionados pela coragem, desprendimento, verdadeira aptidão pela carreira abraçada e que, de sua maneira rudimentar elevou o bom nome da Instituição, numa época em que evitava-se a publicidade, a divulgação, o culto à personalidade, a exposição pública objetivando ser conhecido e após obter dividendos de notoriedade pela imagem de herói ou de super-policial.


Tudo passa, menos as recordações...


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