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31/12/2012 - 16:04:31

PALESTRA

Inquérito policial contemporâneo

Delegado federal Márcio Alberto fala do perigo do superdimensionamento dos direitos individuais em detrimento do interesse da sociedade de ver criminosos punidos.

  • Revista Prisma
  • Vanessa Negrini

   

Se antes o orgulho de um delegado era ver o inquérito policial transformar-se em denúncia e depois sentença condenatória, hoje, o grande desafio é conseguir que o processo não seja derrubado com recursos nos tribunais superiores. O delegado federal Márcio Alberto Gomes Silva palestrou sobre o inquérito policial contemporâneo, a convite da Diretoria Regional da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal no Distrito Federal (ADPF/DF). O palestrante afirmou que é importante a categoria produzir conhecimento para influenciar nas mudanças jurisprudenciais, mas, ao mesmo tempo, é preciso se adaptar para não ver todo um trabalho desperdiçado.

O palestrante iniciou explicando que o inquérito policial é um procedimento administrativo, sigiloso, escrito, inquisitivo, dispensável, elaborado pela polícia judiciária, presidido por delegado de polícia de carreira, que tem por objetivo coletar elementos e provas para a propositura de ação penal (indícios de autoria e prova da materialidade).

O inquérito policial é administrativo em contraposição ao processo, que é judicial. De acordo com o delegado Márcio Alberto, em que pese ser descrito e delineado no Código de Processo Penal, o inquérito não conta com uma sequência de atos predeterminados tal qual o processo. As diligências determinadas em seu bojo e o curso do procedimento são discricionários, o que confere um poder e uma responsabilidade muito grande ao delegado de polícia. É ele quem vai determinar o melhor rumo da investigação pra elucidar os fatos.

|DURO GOLPE. O sigilo deve ser mantido para facilitar as investigações. Para o palestrante, a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal foi um duro golpe no trabalho da polícia judiciária. O delegado lembra que o acesso irrestrito aos autos pelo advogado do investigado traria evidente prejuízo às investigações e seria contrário à própria natureza do procedimento, sigiloso por excelência. Entretanto, a partir do exame mais detalhado da Súmula 14, o palestrante conclui que o advogado terá vista apenas dos atos já praticados e devidamente juntados ao inquérito. Ou seja, somente atos já perfeitos e acabados e cuja juntada aos autos do inquérito foi determinada pelo delegado de polícia podem ser objeto de vista do advogado de defesa. Diligências em curso e ainda não materializadas não podem ter seu acesso franqueado, sob pena de evidente inutilidade das mesmas.

Interceptações telefônicas em curso, representações de prisão e busca e apreensão ainda não deferidas e não cumpridas, solicitação de perícias ainda não realizadas e intimação de testemunhas ainda não oitivadas, por exemplo, não podem ser mostradas ao advogado do investigado, sob pena de total imprestabilidade da prova produzida depois do acesso.

“Difícil imaginar que investigado que fica sabendo que seu terminal móvel está interceptado continue realizando tratativas ilícitas por telefone”, afirma o delegado Márcio Alberto.

|DISPENSÁVEL. O titular da ação penal pode dispensar o inquérito policial, se tiver em mãos elementos que possibilitem o oferecimento da denúncia. Entretanto, em que pese ser dispensável, o palestrante lembrou que por se tratar de importante meio de coleta de provas e o instrumento mais hábil para condensar todos os elementos que gravitam em torno do crime, é muito difícil encontrar na prática ação penal não precedida de inquérito policial.

O inquérito policial é uma documentação completa do que ocorreu, no calor dos acontecimentos. Segundo o palestrante seria inviável para o Ministério Público sair de seu gabinete e realizar as investigações necessárias. No máximo, o promotor requisitaria alguma diligência extra se não concordar com algum aspecto relatado.

Ademais, o palestrante fez uma crítica de ordem pragmática e jurídica quanto a possibilidade de investigação presidida pelo Ministério Público. Márcio Alberto lembra que o MP não possui corpo auxiliar organizado em carreira e com vocação à investigação criminal. Investigar não é somente requisitar documentos e ouvir pessoas. É preciso realizar vigilâncias, fotografar, filmar encontros e entregas ilícitas, analisar interceptações telefônicas, dentro outras diligências típicas do aparelho policial, realizadas por agentes públicos que fizeram concurso e foram treinados pelo Estado para desempenhar essa função.

Dessa forma, para o MP investigar seria preciso aparelha-lo com estrutura humana capaz de investigar, o que demandaria a criação de cargos específicos semelhantes ao de agende de polícia, dotar o órgão de viaturas caracterizadas e descaracterizadas para fins de investigação, criar setores de inteligência com servidores aptos a analisar dados. Enfim, isso seria transformar o Ministério Público em uma nova Polícia Judiciária.

|VALOR PROBATÓRIO. De acordo com o delegado Márcio Alberto, a doutrina atribui pequeno valor probatório ao inquérito policial. Boa parte defende que não ser possível condenação com base exclusivamente em prova colhida no bojo do inquérito, em que vigora o princípio inquisitivo, ou seja, sem a presença do contraditório.


O palestrante chamou a atenção para o fato de que a condenação, no entanto, é possível com base em prova cautelar (de natureza urgente, merecedora de produção imediata, sob pena de perda irreparável), não repetível (que necessidade de imediata realização em fase da natureza do objeto ou de seu grau de perecimento) ou antecipada. Para Márcio Alberto, o delegado de polícia deve concentrar seus esforços nesse tipo de provas, pois são elas que se apresentaram de forma robusta no processo.

Prova oriunda de interceptação telefônica judicialmente autorizada, de quebras de sigilo bancário e fiscal, perícias feitas no curso da investigação, elementos de prova colhidos no curso de busca, são alguns exemplos de provas que podem ser sustentadas na condenação.

O temor relaciona à impossibilidade de condenação com base em provas colhidas exclusivamente em fase inquisitorial, tem ligação com um passado em que as investigações se baseavam única e exclusivamente em provas orais, como confissão e depoimentos frágeis de testemunhas que, muitas vezes, alteravam as versões dadas na delegacia e em juízo.

Entretanto, o delegado enfatiza que a moderna investigação é calçada na interceptação telefônica, em quebras de sigilos fiscal e bancário, com posterior perícia dos dados obtidos, trabalho de campo com filmagens e fotografias, apreensões realizadas após trabalho investigativo, dentre outros meios que afastam a oscilação das provas orais.

|DIREITOS EM CONFLITO. O palestrante alertou para o perigoso superdimensionamento dos direitos individuais em detrimento do interesse de toda sociedade em ver responsabilizados autores de crimes. De acordo com Márcio Alberto, diuturnamente, são criadas amarras eu engessam cada vez mais o trabalho investigativo da Polícia Judiciária. Para ele, posicionamentos sustentados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em alguns julgados deveriam ser repensados. Em um caso, o colegiado entendeu que relatório do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) não é documento hábil para lastrear quebra de sigilos fiscal, bancário e telefônico e que todas as provas resultantes deveriam ser anuladas. Entretanto, para o delegado não há documento mais robusto para endossar a quebra de sigilos bancário ou fiscal do que um relatório de inteligência fornecido por um órgão estatal especializado no combate à lavagem de dinheiro.

Para o palestrante, dizer que o indivíduo que dilapida o patrimônio público não pode ter seus sigilos bancário e fiscal afastados diante de relatório feito por órgão estatual de inteligência é sepultar qualquer possibilidade de responsabilização da criminalidade organizada.

Afinal, conforme afirma Márcio Alberto, anos de investigação, dinheiro público e esmero na produção de provas robustas e técnicas não podem ser sumariamente descartadas sob a proteção dos direitos individuais dos que se locupletam do erário e contribuem para o atraso do país.


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