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31/03/2013 - 17:03:22

CAPA

Tráfico humano

Quem são as vítimas desse tipo de crime?

  • Revista Prisma
  • Aline Shayuri

   

O tráfico de pessoas é um crime invisível, frequente e preocupante que está em discussão não só entre autoridades de governo e órgãos policiais, mas também entre a população. A divulgação da novela Salve Jorge colaborou com o aumento desse debate sobre a transformação de pessoas em mercadorias. Segundo dados da Polícia Federal, 475 inquéritos foram instaurados sobre o crime de tráfico internacional de pessoas entre 1999 e 2011 no Brasil.
Em fevereiro de 2013, o 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas foi lançado pelo Ministério da Justiça (MJ) e pelas secretarias de Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Com o objetivo de aperfeiçoar a legislação brasileira, será solicitada aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal celeridade na apreciação de projetos de lei que ampliem os tipos de crimes envolvendo o tráfico de pessoas.
Atualmente, a legislação brasileira pune apenas o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Falta previsão legal para punir crimes de tráfico para fins de trabalho escravo, trabalho doméstico, venda de órgãos e de adoção ilegal.
O Ministério da Justiça também lançou um guia de referência sobre o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. São 148 páginas escritas pelo Departamento de Justiça e pelo Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias (International Centre for Migration Policy Development - ICMPD) da União Europeia. Quatro capítulos abordam temas como imigração, tráfico de pessoas no Brasil e no exterior, estrutura para o combate a esse tipo de crime, entre outros aspectos.

|TRÁFICO DE PESSOAS. Pelo conceito do Protocolo de Palermo, essa atividade existe para diversas finalidades como exploração sexual, comercialização de bebês e crianças para casais que não podem ter filhos biológicos e não querem recorrer aos meios legais e burocráticos de adoção, trabalho escravo, trabalho doméstico, casamento servil e venda de órgãos.
De acordo com a legislação nacional, o crime de tráfico de pessoas se configura e se consuma com a saída da pessoa do seu país de origem e entrada em outro, ainda que não haja exploração.
No Brasil, o Código Penal tipifica como crime e pune apenas o tráfico para fins de exploração sexual. Dessa forma, a senadora e relatora da CPI do Tráfico no Senado Federal, Lídice da Mata, propôs a alteração do texto do “crime contra a dignidade humana” para o seguinte: “Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, alojar ou acolher pessoa, por meio de ameaça, coação ou qualquer outra forma de violência, sequestro, cárcere privado, fraude, engano, abuso de poder, financiamento, corrupção, ou qualquer outro meio análogo, para fins de exploração de alguém, independentemente de seu consentimento”.
No tráfico para fins de exploração sexual, as quadrilhas costumam agir mediante certos métodos. Antes da viagem, os aliciadores instruem as vítimas de como se portar no serviço imigratório. Além disso, dão dinheiro para que elas comprem roupas e vão ao salão de beleza. Também compram a passagem de ida e entregam muitas notas de euro para que elas mostrem ao serviço de imigração no aeroporto de destino. Assim, fingem que são turistas com dinheiro para gastar. Quando chegam ao local de trabalho, as vítimas têm os documentos e o passaporte retidos, são submetidas a cárcere privado e qualquer tipo de violência, com privações de liberdade e alimentação. Os criminosos cobram ainda o valor da passagem de avião e os demais gastos.
“A maioria das vítimas deseja viajar e sabe que a finalidade é a prostituição. No entanto, o crime acontece quando elas sofrem o engano”, diz a delegada federal e chefe da Unidade de Repressão ao Tráfico de Pessoas da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, Vanessa Gonçalves Leite Souza. Esse engano se refere às condições em que a prostituição será exercida e que a vítima será submetida. “A pessoa sai do seu país de origem achando que sua dívida será apenas o valor da passagem. Entretanto, somam-se o valor das roupas que ela comprou antes de ir, mais cada dia que ela dorme num aposento, mais o que ela come e fica difícil de pagar”, conta Vanessa. Enquanto a dívida não é quitada, os relatos são de que a pessoa vira refém dos aliciadores tendo sua liberdade restringida, passaporte retido e fica submetida à violência, ameaças contra si e sua condição ilegal no país, contra seus familiares e pessoas próximas.
O aliciamento normalmente é feito por uma pessoa próxima. “Não raro, é uma tia, uma prima, uma vizinha, uma amiga que a vítima tem o mínimo de confiança, que ela já sabe que foi para o exterior e voltou com certo dinheiro”, afirma a delegada.
A maior dificuldade encontrada pela PF é a falta de conscientização das potenciais vítimas. Dessa forma, elas não se veem como tal em grande parte dos casos porque sentem culpa por ter aceitado viajar e estar “pagando o preço”.
O fato de que as vítimas traficadas expressavam desejo de migrar para outro país e, em alguns casos, consentiram com o exercício da prostituição, não significa que está afastada a configuração do tráfico de pessoas. O crime, então, subsiste mesmo que haja esse consentimento.
|ORIGENS E DESTINOS. “As possíveis origens [de pessoas vítimas do tráfico de pessoas] são onde há vulnerabilidades econômicas, sociais, psicológicas”, é o que afirma a delegada federal e chefe da Unidade de Repressão ao Tráfico de Pessoas da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, Vanessa Gonçalves Leite Souza. Ela afirma ainda que não existem principais rotas para esse tipo de crime.
“Não há rotas fixas, pois os aliciadores podem mudar esse caminho enviando a vítima para outro local e, posteriormente, por meio de outra pessoa contratada por terra pela organização criminosa, enviam a vítima para seu real destino”, complementa o delegado federal Luciano Ferreira Dornelas. Ele é autor de duas obras sobre o tema: “Tráfico de Pessoa – Cooperação Jurídica Internacional no Combate ao Tráfico” e “Manual de Combate ao Tráfico de Pessoas”.
Os destinos mais comuns de brasileiros no exterior são Portugal, Espanha e Itália. Sendo este último, bem marcado pelos travestis e transexuais. Em regiões como Suriname e Guiana Francesa muitas pessoas são levadas para trabalhar em garimpos.
|ENFRENTAMENTO DA PF. O papel da PF como polícia judiciária é investigativo por meio dos mecanismos e das principais técnicas disponíveis. As interceptações telefônicas, os depoimentos das vítimas e de outras pessoas envolvidas, as interceptações ambientais (captação de imagens em determinados locais de maior ocorrência de um determinado crime), a produção de relatórios dos achados e do que está acontecendo na cena criminosa e a investigação de documentos pessoais são alguns desses artifícios.
A Polícia Federal recebe denúncias de diversas fontes. “Atualmente, a mais importante, em volume, é o Ligue 180 da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Após o início da novela Salve Jorge, o volume de denúncias aumentou consideravelmente”, afirma a delegada federal Vanessa Souza.
A partir das denúncias recebidas, a Unidade de Repressão ao Tráfico de Pessoas da Divisão de Direitos Humanos realiza um levantamento preliminar. Quando possível, a pessoa que denunciou é contatada para que forneça mais dados. Por meio de um trabalho de cooperação, estes dados são repassados à Superintendência pertinente, ou ao adido policial ou oficial de ligação no país de destino para que se consiga obter mais informações relevantes e, se possível, seja realizada uma ação policial conjunta.
Vale ressaltar que a Polícia Federal combate o aliciamento de pessoas para fins de exploração sexual, e não a prostituição em si. Pois sabe-se que, no Brasil e em vários outros países, a prostituição é uma profissão como outra qualquer tendo a exploração dessa atividade laborativa o caráter criminal.
|OPERAÇÕES DA PF. No dia 30 de outubro de 2012, o Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), recebeu uma denúncia vinda de Salvador/BA. A ligação era da mãe de uma jovem levada para trabalhar em Salamanca, na Espanha. No dia 30 de janeiro de 2013, a Superintendência Regional da Polícia Federal na Bahia deflagrou a Operação Planeta, juntamente com o Cuerpo Nacional de Policía (a polícia nacional espanhola). Foram feitos levantamentos de forma a fechar duas casas de prostituição e prender pessoas na Espanha e no Brasil que faziam o aliciamento de brasileiras. A operação simultânea obteve sucesso em razão da intensa colaboração da SR/BA, do oficial de ligação da Polícia Federal na Espanha e da Unidade de Repressão ao Tráfico de Pessoas.
Ainda em outubro daquele ano, a Polícia Federal deflagrou a Operação Sisifo em três casas noturnas dos municípios de Imbituba e Imaruí, no Sul catarinense. Nesse caso, 21 mulheres paraguaias eram exploradas sexualmente. Elas foram libertadas e trazidas a Florianópolis para prestarem depoimentos e, após manifestarem interesse, voltaram ao país de origem com o apoio do Consulado do Paraguai. Cinco suspeitos foram detidos.
No início de março de 2013, a Polícia Federal também realizou uma operação no município de Naviraí, no Estado de Mato Grosso do Sul. Sete mulheres paraguaias trabalhavam no bar, onde funcionava um prostíbulo. As vítimas viviam ilegalmente no Brasil, eram mantidas em cárcere privado e agredidas constantemente pelo proprietário do local. Todos foram encaminhados para a Delegacia da Polícia Federal de Naviraí. Após uma entrevista com as três mulheres, a PF chegou a outra casa onde havia mais quatro nas mesmas condições. O proprietário foi preso e responderá pelo crime de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.

|COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. A cooperação diz respeito ao auxílio mútuo e recíproco entre duas partes sobre uma determinada matéria. No livro “Tráfico de Pessoa – Cooperação Jurídica Internacional no Combate ao Tráfico”, o delegado federal Luciano Dornelas aponta a relevância dessa forma de repressão às redes criminosas que permeiam os mais diversos países: “[...] não é suficiente a adequação do ordenamento interno de cada um e de uma tecnologia voltada ao combate aos ‘fora da lei’: é preciso também que os governos dos Estados envolvidos nessa luta se comuniquem de forma adequada, respeitando a soberania ao mesmo tempo em que cooperam entre si, estabelecendo uma verdadeira cooperação internacional”.
Nos casos de crime de tráfico de pessoas, as autoridades no Brasil e nos países de destino trabalham de forma conjunta e harmoniosa.  A cooperação acontece por meio dos adidos policiais e oficiais de ligação. Considerados o elo entre a Polícia Federal no Brasil e a polícia estrangeira, são o adido policial e o oficial de ligação, ou seja, os servidores agregados a uma Embaixada ou a uma legação que representam a força policial de seu país na função de facilitar o trânsito de informações sobre os delitos transnacionais.
A cooperação jurídica internacional é regida por duas relações consulares: as convenções de Viena e de Palermo. A primeira estabelece parâmetros para a assinatura, adesão, formulação e obrigações relativas aos tratados internacionais. A segunda trata do crime organizado transnacional.

|CPI ESPECIAL. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas sugere mudanças na legislação brasileira que contribuam para o combate ao comércio ilegal de pessoas. A comissão está discutindo o assunto na Câmara dos Deputados e deve apresentar um relatório parcial com as sugestões de modificações legislativas até maio de 2013.
O presidente desta CPI, deputado federal Arnaldo Jordy, e os demais integrantes da comissão reuniram-se com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para apresentar um balanço das atividades feitas. Ficaram acertadas duas colaborações, entre elas o reforço da presença da PF em algumas localidades, sobretudo nas fronteiras.
Jordy destacou a importância de ampliar o efetivo policial na área sob influência da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Estado do Pará. No local, uma operação conjunta das polícias Militar e Civil libertou 16 mulheres, uma adolescente e uma travesti mantidas em cárcere privado e obrigadas a se prostituir. “Em sete meses, a população no Xingu aumentou de 100 mil para 132 mil [em função das obras da hidrelétrica]. Enquanto isso, o efetivo da PF nesse local reduziu de 32 para 15 nos últimos seis anos”, destacou.
A PF participa ativamente no desenho de alteração da legislação para que se adeque ao Protocolo de Palermo e se aproxime da necessidade de se enquadrar à realidade e punir situações que não são pontuadas na lei.


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