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28/02/2012 - 17:20:00

LAVAGEM DE DINHEIRO

Vigiar e Punir

A lavagem de dinheiro é mais grave do que parece, mas o sistema criminal ainda enfrenta dificuldades para investigar e condenar os criminosos

  • Revista Prisma
  • Por Amanda Bittar

   

Uma das obras mais importantes do filósofo Michel Foucault – Vigiar e Punir – já tem quase 40 anos, mas ainda se faz presente no meio jurídico e policial. A necessidade de punição adequada às atitudes que vão contra o regime de normalidade da sociedade se faz presente e forte, tanto pela população, quanto pelos órgãos responsáveis por ‘vigiar e punir’ os criminosos. Entretanto, muitas vezes os operadores da lei esbarram em entraves legais, como vem ocorrendo no caso da lavagem de dinheiro.

 

Atualmente, esse crime é tipificado pela Lei 9.613/98, uma lei de ‘segunda geração’ (veja explicação no quadro ao lado), a qual apresenta um rol taxativo de crimes antecedentes. Ou seja, para alguém ser condenado por lavagem de dinheiro no Brasil, a ação deve estar vinculada a outro crime previamente elencado no diploma legal. Isso dificulta o trabalho policial e cria alguns disparates jurídicos. No Brasil não se pode, por exemplo, associar lavagem de dinheiro com a sonegação fiscal.

 

“Imagine uma milícia que pratique crimes de pistolagem. Ela recebe dinheiro para isso e ‘lava’ esse dinheiro em atividades lícitas. Esses criminosos não responderiam por ‘lavagem de dinheiro’, porque homicídio qualificado não é crime antecedente na Lei nº 9.613/98”, explica o senador Pedro Taques (PDT-MT). A expectativa é que a Casa aprove, ainda no primeiro semestre de 2012, uma proposta que altera a legislação de lavagem de dinheiro para evitar esse tipo de situação.

 

|FRONT DE COMBATE. De acordo com o chefe do Departamento Financeiro da Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, delegado Aderson Vieira Leite, a lavagem de dinheiro é um crime praticado por todo tipo de organização criminosa, “desde traficantes de drogas, até pessoas que se envolvem com o desvio de verbas públicas”.

 

O trabalho da Polícia Federal, em desvendar os crimes de lavagem de dinheiro, é realizado em cooperação com diversos órgãos.

 

“Institucionalmente, temos contatos com o Conselho de Controle da Atividade Financeira (Coaf), um dos pilares do sistema brasileiro de inteligência financeira, o Ministério Público Federal, a Receita Federal, o Ministério da Previdência Social e com todos os órgãos públicos que tenham atuação direta na prevenção ou na punição desses crimes”, afirma Leite.

 

|ESTRATÉGIA NACIONAL. Em 2003, com a necessidade de aprimorar as investigações, foi criada a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), com objetivo de articular os órgãos envolvidos e aumentar o debate sobre o tema.

 

Para o diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, da Secretaria Nacional de Justiça, o delegado federal Ricardo Andrade Saadi, a Enccla mostra que as autoridades governamentais reconhecem a importância do combate à lavagem de dinheiro, “por intermédio dos eixos de prevenção, repressão e capacitação/difusão”.

 

“A Enccla é a expressão máxima do reconhecimento por parte das autoridades brasileiras da imprescindibilidade de se instalar no País uma dinâmica estatal focada na articulação entre as instituições, para o combate coordenado aos crimes de lavagem de dinheiro e aqueles provenientes das práticas de corrupção”, afirma Saadi.

 

Para o delegado, além de dar visibilidade ao tema, a Enccla possibilitou ampliar a atuação dos órgãos responsáveis por investigar esse tipo de crime. “A percepção global ofertada pela Enccla habilita os mais de sessenta órgãos ali representados a formularem políticas públicas de cunho estratégico, afastando atuações isoladas, casuísticas, muitas vezes duplicadas ou incoerentes”, ressalta.

 

A Estratégia Nacional foi responsável por aprimorar o sistema investigativo antilavagem e anticorrupção, criando medidas e programas essenciais, como o Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, o Cadastro Nacional de Clientes do Sistema Financeiro, a padronização na forma de solicitação e resposta de quebras de sigilo bancário e os respectivos rastreamentos, o desenvolvimento do Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias, o Laboratório de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro, a regulamentação de acesso dos órgãos de controle à documentação contábil das entidades contratadas pela administração pública, o Sistema Nacional de Bens Apreendidos, dentre várias outras ações.

 

|TERCEIRA GERAÇÃO. Após tramitar por mais de três anos na Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PLS-209/03), que endurece o combate à ‘lavagem de dinheiro’, voltará a ser analisado pelo Senado. O texto original foi modificado na Câmara, que suprimiu a garantia de acesso da polícia e do Ministério Público a dados sobre qualificação pessoal, filiação e endereço do investigado independentemente de autorização da Justiça. O substitutivo da Câmara deverá ser reexaminado pelas Comissões de Assuntos Econômicos e de Constituição, Justiça e Cidadania no Senado.

 

O PLS-209/03 (na Câmara, PL-3443/08), do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), exclui o rol de crimes antecedentes, estende a lista de pessoas obrigadas a comunicarem operações suspeitas, além de prever a possibilidade de alienação antecipada de bens apreendidos.

 

A medida passa a alcançar, entre outros empreendimentos, os sistemas de negociação do mercado de ações; cidadãos que operam com compra e venda de imóveis; intermediação do comércio de bens de luxo ou de alto valor, inclusive de origem rural; as juntas comerciais e os registros públicos; a promoção, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras.

 

Ao excluir a lista de crimes antecedentes, o projeto eleva a lei que tipifica a ‘lavagem de dinheiro’ no Brasil à categoria de ‘terceira geração’. Para o delegado Ricardo Saadi, essas alteraçõestrarão benefícios para a ação da Polícia Federal. “Sem dúvida, a adequação da legislação nacional ao padrão das leis mais modernas, possibilitando a investigação da lavagem de dinheiro por recursos provenientes de qualquer crime, será um grande avanço”, afirma.

 

“A grande vantagem da legislação de terceira geração é que ela permitiria atuar, por exemplo, em face do jogo do bicho, que hoje ainda é uma contravenção penal”, ressalta Leite. Além desse, os crimes de ordem tributária também poderiam ser associados, o que a atual legislação não permite.

 

Embora não seja tão aparente, o crime de lavagem de dinheiro afeta substancialmente a vida da população. De acordo com o delegado Aderson Leite, a reinserção de dinheiro ‘lavado’ interfere no bom funcionamento da economia regular e pode comprometer, inclusive, a segurança da ordem financeira dos países.

 

Isso ocorre porque as decisões de investimento das organizações criminosas não decorrem de motivação econômico-empresarial verdadeira. Quem ‘lava dinheiro’ não está preocupado com os lucros do negócio criado para essa finalidade; o objetivo é apenas disfarçar a origem ilícita do capital. Essas organizações competem com o setor privado legal, com a oferta de produtos e serviços com preços abaixo do mercado. Isso é particularmente prejudicial para quem ‘anda na linha’ e tem que arcar com o ônus de tributos, encargos trabalhistas.

 

O sistema financeiro é outra vítima da lavagem de dinheiro. A movimentação especulativa do capital ilícito, em situações extremas, pode provocar a quebra de bancos e se tornar o estopim de crises financeiras.

 

Entretanto, a pior consequência da ‘lavagem de dinheiro’ é o reforço à impunidade, uma vez que a prática permite aos criminosos usufruírem livremente do produto de seus ilícitos. E mais. O dinheiro ‘lavado’ serve para financiar a prática de novos crimes, num ciclo nocivo praticamente ilimitado. Uma armadilha que só poderá ser desfeita com o reforço das instituições que combatem esses crimes e com a aprovação de leis que não deixem brechas para atuação impune dos fora da lei.

 

 


|Lavagem de dinheiro é um conjunto de operações por meio das quais bens, direitos e valores obtidos com a prática de um crime são integrados ao sistema econômico-financeiro com a aparência lícita. Ou seja, a lavagem de dinheiro pressupõe a prática de um crim antecedente. Os precursores desse ilícito foram os traficantes de drogas. Logo, as primeiras leis previam exclusivamente o tráfico de drogas ilegais como crime antecedente à lavagem de dinheiro. Num segundo momento, ampliou-se o rol de crimes antecedentes, os quais se mantiveram taxativos, como na legislação brasileira em vigor. Por fim, passou-se admitir a lavagem de dinheiro como uma conduta tão grave por si só que merece punição independentemente da relevância do delito antecedente. No bojo dessa discussão, nasce a terceira geração de leis contra a lavagem de dinheiro, já adotada em países como França, Suíça, Argentina e México, onde qualquer crime ou contravenção pode ser associado à lavagem de dinheiro. É o que se pretende fazer no Brasil com a aprovação PLS-209/03, no Senado Federal.

 


|EXPECTATIVA: O senador Valadares tenta emplacar mudanças na legislação de lavagem de dinheiro desde 2003. Para o delegado Saadi, as mudanças, quando aprovadas, representarão um avanço significativo nas investigações.

 

 

Com informações da Agência Senado


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