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28/02/2012 - 17:35:00

ENTREVISTA

"Para ser uma construção segura, o cidadão precisa de um bom alicerce na infância"

Para o titular da inédita Secretaria de Estado da Criança do Distrito Federal, enquanto a sociedade não entender que a infância precisa ser priorizada, continuará tratando das consequências da negação de direitos

  • Revista Prisma
  • Por VANESSA NEGRINI

   

Crianças e adolescentes em situação de moradia nas ruas têm seus direitos fundamentais violados cotidianamente no Brasil. Não há dados estatísticos exatos, mas um olhar atento revela que elas estão por toda parte inclusive na Capital Federal. Mas, de quem é a responsabilidade por essa tragédia social? Da família? Do Estado? Da sociedade?

 

De acordo com a Constituição Federal, assegurar às crianças e aos adolescentes seus direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão é dever de todos: da família, da sociedade e do Estado. No entanto, os atuais esforços parecem dispersos e insuficientes.

 

Para o secretário da Criança do Distrito Federal, Dioclécio Campos Júnior, a infância brasileira não é reconhecida como área prioritária de investimentos do Estado, da família e da sociedade como um todo. Em entrevista, ele afirma que as crianças ocupam uma faixa populacional na qual mais são negados direitos.

 

Campos acredita que a falta de cuidados na primeira infância está no cerne da problemática de crianças e adolescentes em situação de rua e em conflito com a lei. “Os seis primeiros anos de vida, mais o período gestacional, correspondem ao período em que o equipamento essencial para a formação do indivíduo, sua conversão em pessoa e sua transformação em cidadão aconteça”, explica.

 

Campos, que já foi presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, destaca um estudo do Prêmio Nobel James Heckman, o qual confirma sua tese. Heckman acompanhou por décadas dois grupos de crianças nascidas na periferia dos EUA, expostas, portanto, as mesmas variáveis sociais, com a diferença de que um grupo teve acesso a cuidados na primeira infância e outro grupo não. Comparando os dados do grupo controle, das crianças que tiveram estimulação e proteção na primeira infância, com as que não tiveram acesso a esse tipo de beneficio, as diferenças foram contundentes.

 

Quase 30% dos que tiveram acesso ao programa de educação infantil conseguiram salários superiores a U$ 2 mil dólares, contra apenas 7% do grupo sem apoio. Quer dizer, o acesso a educação na primeira infância mais do que quadruplicou a probabilidade de se alcançar salários maiores.

 

Na faixa etária de 27 anos, o número médio de detenções por crime foi duas vezes maior no grupo que não passou pela educação infantil. Já as detenções por pequenos delitos chegaram a ser quase sete vezes maiores no grupo sem assistência. Heckman concluiu que cada dólar investido pelo governo na primeira infância representou um retorno de U$ 17 dólares para a sociedade.

 

Mas a cultura brasileira não é de investimento, é de retorno imediato. “A sociedade brasileira não se dá conta disso ainda. É difícil convencer as autoridades, os gestores públicos, de que essa é a prioridade”, afirma Campos, destacando que o Distrito Federal é a primeira unidade da federação a instituir uma secretaria específica voltada para a criança e os adolescentes, o que, segundo ele, facilita na defesa de políticas públicas para a área.

 

Para Campos, formar um cidadão é um processo de construção, uma verdadeira edificação. “Toda construção, para ser de qualidade, sólida e resistente, começa por uma etapa que é o alicerce. E só há um momento para você fazer isso: no começo”, compara.

 

De acordo com o secretário da Criança do Distrito Federal,
para ser uma construção segura, produtiva e duradoura, o cidadão precisa de um bom alicerce. E enquanto a sociedade não entender isso, “vai continuar enxugando gelo, tratando das consequências da negação de direitos na primeira infância”.

 

|PIONEIRA. A criação da Secretaria da Criança no Distrito Federal é uma iniciativa pioneira no Brasil. Além do papel de proteção, desempenhada por meio dos Conselhos Tutelares, a Secretaria nasceu com as atribuições de cuidar das medidas socioeducativas para crianças e adolescentes em conflito com a lei.

 

De acordo com o secretário, a prioridade da Secretaria é o Projeto de Desenvolvimento Integral da Infância e da Adolescência. O objetivo,em médio prazo, é reduzir as demanda das medidas socioeducativas e dos Conselhos Tutelares.

 

O projeto será implantado em caráter piloto no início de 2012. O trabalho consiste na identificação e no acompanhamento de gestantes por uma equipe multiprofissional qualificada. Para o secretário, é importante demonstrar para essas mães que, durante a gestação, “o vinculo afetivo é inegociável”.

 

Após o nascimento, esse acompanhamento passa a ocorrer com as crianças nas creches. Cada uma terá uma ficha individual para acompanhar o seu crescimento físico, emocional e social, com um calendário próprio de avaliação. Constatado algum problema no crescimento ou no desenvolvimento, uma equipe atuará no sentido de diagnosticar as causas e corrigir o rumo.

 

Embora singelo, o projeto deve enfrentar grandes desafios para ser implantado. O Distrito Federal possui cerca de 150 mil crianças com até 3 anos. Entretanto, apenas 10 mil são atendidas em creches públicas ou conveniadas.

 

|SISTEMA REEDUCATIVO. No início de 2012, começa a funcionar o NAI - Núcleo de Atendimento Inicial do Adolescente em conflito com a lei. O Núcleo reunirá em um único local todas as autoridades que definem a aplicação de medida socioeducativa ao menor.

 

O adolescente detido será levado ao NAI no momento da apreensão para ser avaliado. O menor passará por diversas instâncias que hoje estão dispersas. Ao final, o juiz decidirá na hora a medida que o menor deverá ser submetido. Pode ser liberdade assistida, prestação de serviço comunitário, regime de semiliberdade ou internação com privação de liberdade.

 

O NAI proporcionará agilidade ao processo e evitará que o menor tenha que pernoitar desnecessariamente no Centro de Atendimento Juvenil (Caje), que deverá ser fechado em breve por determinação da Justiça.

 

Ao lado da desativação definitiva do Caje, conhecido pelas péssimas condições e superlotação, a inauguração do NAI, está inserido num contexto maior: o Sistema Reeducativo de Socialização. Para o secretário, as medidas socioeducativas não podem refletir o modelo prisional. Para crianças e adolescentes em conflito com a lei é  preciso oferecer uma “abordagem educativa e profissionalizante que lhe permita mudar de vida”.

 

Trata-se de um caminho difícil, nem sempre compreendido. De acordo com Campos, a cultura que existe na sociedade brasileira é a cultura prisional. Tanto é assim que, volta e meia ouvese falar na redução da maioridade penal. “A sociedade não tem ideia do que é uma pena de privação de liberdade, especialmente numa fase em que o individuo está em fase de crescimento e desenvolvimento psicomotor e social”, afirma.

 

O caminho é longo e o apoio é difícil até mesmo dentro de “casa”. Mesmo considerada uma pasta prioritária, por falta de espaço adequado, o secretário da Criança do Distrito Federal tem despachado da sede da Sociedade Brasileira de Pediatria. Um começo difícil para a nova Secretaria, a qual, como qualquer criança, precisa de um bom alicerce para prosperar.


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