Vídeos Fotos Notícias

30/09/2012 - 12:34:00

AMEAÇADOS

Na mira do crime

Magistrados e defensores de direitos humanos se tornaram vítimas recorrentes de atentados criminosos no Brasil. Mais de duas mil pessoas ameaçadas já passaram pela proteção da Polícia Federal, nos últimos nove anos. Conheça esse trabalho, os limites de atuação da instituição e as sugestões para tornar a missão mais efetiva

  • Revista Prisma
  • Vanessa Negrini


A ameaça de magistrados e de pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos tem exigido a atenção do Estado brasileiro. O último episódio foi a morte da juíza Patrícia Acioli. Segundo a Corregedoria Nacional de Justiça, outros 134 magistrados estão jurados de morte em todo o país. Já a Comissão Pastoral da Terra apresentou ao Governo 1.855 nomes de trabalhadores no campo e de ambientalistas em perigo.

No calor dos acontecimentos, em geral, não se divulga corretamente de quem é a responsabilidade de proteger a vida dessas pessoas. Quando ocorre alguma fatalidade, de pronto se ouve: chama a Polícia Federal (PF). Mas até que ponto a instituição é competente para atuar nesses casos? Quais os limites? Quais as implicações?

Na PF, são duas divisões que cuidam da proteção de pessoas ameaçadas. Uma está condicionada a existência de um procedimento penal e, a outra, trata da segurança de pessoas com prerrogativas. Para compreender o que de fato é atribuição da PF, a Prisma ouviu os delegados Delano Cerqueira (foto), chefe da Divisão de Direitos Humanos, e Carlos Henrique Maia Barboza, chefe da Divisão de Segurança de Dignitários.

Cerqueira explica que o Sistema Nacional de Proteção de Pessoas Ameaçadas no Brasil é gerenciado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) e não pela PF, que atua em situações pontuais. O sistema age por meio de três programas específicos: Proteção a Testemunhas; Proteção a Defensores de Direitos Humanos; e Proteção a Criança e Adolescentes Ameaçadas de Morte.

O Programa de Proteção a Testemunhas acolhe testemunhas de inquéritos policiais ou de processos penais que, em razão de seu depoimento, sofrem risco de morte. A Secretaria de Direitos Humanos realiza parcerias com organizações da sociedade civil, que recebem recursos federais para criar os chamados Provita, uma espécie de casa de acolhimento.

Em 20 Estados da Federação existem estes centros cuja localização é mantida em segredo. O sistema funciona por meio de permuta de vagas. Uma testemunha de Pernambuco, por exemplo, pode ser acolhida pelo Provita do Paraná e vice-versa.

Para a testemunha ingressar no Provita é feito um trabalho de triagem que dura em média 30 a 45 dias. No entanto, em razão da grave eminência de risco de morte, a testemunha e seus familiares precisam de proteção imediata. Daí entra a Polícia Federal, que faz o acolhimento provisório com foco de salvar vidas. Quando a testemunha é incluída no programa em definitivo, a PF sai de cena.

A testemunha fica em uma unidade descaracterizada da PF, com policiais à paisana 24 horas. Nesse período, a PF arca com toda assistência material necessária, desde consultas médicas, mantimentos, roupas. Muitas vezes, a pessoa tem que sair de casa às pressas e abandonar tudo. Outras vezes nunca teve nada. “As estatísticas mostram que nosso programa atende pessoas de baixa renda, vítimas de grupos de extermínio ou do tráfico de drogas”, explica Cerqueira.

O principal requisito para a pessoa ingressar nesse programa é que ela seja testemunha em um processo ou inquérito policial. Também é preciso haver nexo causal entre o depoimento e a ameaça em questão.

|VIDAS SALVAS. Por questão estratégica, a PF não revela quantas pessoas estão hoje sob sua proteção, nem quantos policiais atuam na área. Mas o delegado Cerqueira afirma que aproximadamente duas mil pessoas já passaram pelos cuidados da PF desde 2002, quando o serviço foi estruturado. Se contabilizados os familiares, esse número chega a cerca de 20 mil vidas salvas pela PF em nove anos.

Para o delegado Cerqueira, o sentido desse programa é, em primeiro lugar, salvar a vida.
Em segundo, desarticular as organizações criminosas com os depoimentos das testemunhas. “Temos vários resultados práticos de depoimentos que sequer chegariam à fase do inquérito policial e que hoje são confirmados na Justiça”, afirma o chefe da Divisão de Direitos Humanos.

A Polícia Federal pretende expandir sua atuação por meio de acordos de cooperação, inclusive internacionais. Um convênio com Portugal para permuta de testemunhas está prestes a ser formalizado. Internamente, a ideia é contar com a cooperação das Polícias Civis dos estados. A Secretaria Nacional de Segurança Pública entra com os recursos e com a capacitação; a PF com a atribuição, o know-how e a supervisão do trabalho.

O delegado Cerqueira enfatiza que o acordo contribui para o “resgate das instituições estaduais, na medida em que elas passam a fazer parte de um contexto de proteção aos Direitos Humanos”. Hoje, as Polícias Civis acabam fazendo esse trabalho na prática, mas sem estrutura nem metodologia. Com a parceria, a PF entra com a expertise e passa a ser um órgão mais de coordenação do que de execução. O projeto piloto deve ser implantado até o final do ano.

|RÉU COLABORADOR. O delegado Cerqueira esclarece que o conceito de depoente especial é gênero em que as duas espécies são: testemunha ou réu colaborador, que pode estar solto ou preso. O réu colaborador solto pode ingressar no Programa de Proteção a Testemunhas convencional, mas se for decretada a sua prisão, será automaticamente desligado.

Dessa forma, existia uma lacuna para o réu colaborador preso. “Quem vai cuidar dele?

Qualquer leigo sabe que as organizações criminosas tomaram conta dos presídios”, argumenta Cerqueira. Diante da realidade carcerária do país, a Polícia Federal e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) firmaram um convênio para possibilitar a inclusão do réu colaborador preso no Sistema Penitenciário Federal e, dessa forma, preservar sua vida. O pedido é dirigido à Polícia Federal, que solicita uma vaga ao Depen. O acordo foi assinado em setembro de 2010 e, desde então, seis presos já foram contemplados.

|DIREITOS HUMANOS. A Coordenação Geral de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, subordinada a Secretaria de Direitos Humanos, tem por atribuição identificar pessoas, lideranças, expoentes da sociedade civil que são reconhecidamente defensores de Direitos Humanos e que, em razão de sua luta, estão sob ameaça de morte. Para ingressar nesse programa de proteção não é preciso estar atrelado a um inquérito policial ou processo penal.

Quando se trata da proteção de uma testemunha, a primeira medida é retirá-la do local de risco. Entretanto, isso não é possível no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos. Não se pode retirar a pessoa do local de sua articulação, pois seria um retrocesso na luta dos direitos humanos. Por isso, é extremamente complicado realizar a segurança dessas pessoas.

Outro problema é que não está claro na legislação de quem é essa atribuição. O delegado Cerqueira acredita que, hoje, a Força Nacional de Segurança Pública é quem mais estaria apta a fazer a segurança desse público. Inclusive, recentemente, a Força formou uma turma especializada nesse tipo de missão. A Polícia Federal, de acordo com o delegado, deve cuidar das investigações e desvendar a origem das ameaças. É o que é feito, por exemplo, por meio da Operação Defesa da Vida (veja box).

|NA BALANÇA. É preciso deliberar com cuidado cada nova solicitação de proteção à Polícia Federal. Uma estrutura mínima com quatro policiais em regime de plantão, na verdade representam 16 homens mobilizados na tarefa. Ou seja, são quatro equipes de quatro policiais, com diárias de R$ 225 reais por cabeça. Significa que a proteção de uma única pessoa representa R$ 108 mil reais por mês aos cofres públicos. Em casos mais graves, o esquema de segurança pode ser ainda maior, pois é preciso levar em conta a casa da pessoa, o local de trabalho, os familiares. Não se trata de fazer contas com o valor de uma vida (isso não tem preço), mas de se discutir soluções mais viáveis e eficazes.

O chefe da Divisão de Segurança de Dignitários, delegado Carlos Henrique Maia Barboza, afirma que a segurança de pessoas que se encontram ameaçadas é uma questão trabalhada no âmbito da Polícia Federal com bastante atenção, “mas há limitações para que essa segurança seja feita, para que todo e qualquer tipo de pedido seja atendido”. Barboza considera que a resposta mais efetiva que a PF pode dar nesses casos é a apuração rápida e eficiente da ameaça.

De acordo com o chefe da Divisão de Direitos Humanos, a Polícia Federal, por ter a melhor capacitação em inteligência, com serviço integrado em todo território nacional, não pode ser subutilizada para atacar apenas as consequências. Ela precisa combater as causas.

Cada policial federal designado para atuar na proteção de uma pessoa, representa um policial a menos que poderia estar empenhado na investigação de grupos de extermínio, de organizações criminosas que dão origem às ameaças infringidas. “Muito nos preocupa esse excesso de demanda para cuidar da segurança de pessoas. São policiais que você desloca do serviço de inteligência e investigação”, pondera o delegado Cerqueira.

 


Faça login no Espaço do Associado para dar sua opinião e ler os comentários desta matéria.

REDES SOCIAIS


Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal
SHIS QI 07 conj. 06 casa 02 - Lago Sul
Brasília/DF - CEP 71.615-260
Central de Atendimentos: 0800.940.7069