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30/09/2012 - 10:01:29

SAÚDE MENTAL

Ferida Aberta

Mais do que necessário, um acompanhamento psicológico eficiente dentro da Polícia Federal é uma questão de sobrevivência. No entanto, instrução normativa que dispõe sobre a criação do programa de atendimento biopsicossocial na corporação não avançou desde 2009

  • Revista Prisma
  • Vanessa negrini e Simone Schmidt

   

Em menos de quinze dias,o suicídio de dois policiais federais deixou em estado de choque a Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Longe de ser um fato isolado no país, o episódio reascendeu um debate que há muito tem sido relegado na instituição: a ausência de assistência psicossocial para os servidores.

Nos dois casos, há indícios de que os policiais tomavam medicamentos antidepressivos, passavam por tratamento em consultórios psiquiátricos particulares e já haviam  homologado, em algum momento, atestados médicos para fins de tratamento de saúde.

Um parente de uma das vítimas desabafou: “Nada disto é considerado, não existe um apoio
psicológico, espiritual ou mesmo psiquiátrico. Pessoas que estão sob tratamento com  remédios fortes não podem ser liberados para andarem com armas”, falou.

O problema é que, em função do sigilo médico, as chefias não são informadas do motivo do afastamento. “Não temos como avaliar a saúde mental dos servidores, o que é muito grave,  considerando o porte de arma inerente à profissão”, explicou o delegado regional executivo, Rodrigo Carneiro Gomes, que estava como superintendente em exercício em ocasião dos eventos.

Independentemente das causas particulares que tenham motivado o suicídio dos policiais,  dois fatores contribuíram de forma decisiva para que os eventos se concretizassem: a falta de assistência médica psiquiátrica e psicológica e o acesso direto ao armamento. Ou seja, ausência de tratamento e monitoramento e a disponibilidade de meios para realizar o ato.

Embora seja imprescindível para a saúde dos servidores, a Polícia Federal nunca levou adiante os planos de implantar um serviço de apoio psicossocial efetivo em suas unidades. Em pelo menos outras três oportunidades a Prisma abordou o assunto. Entretanto,
percebe-se que com o passar dos anos não houve nenhuma evolução na solução do problema, embora os responsáveis à época tenham reconhecido a necessidade de se investir na saúde psíquica do efetivo da casa.

No início de 2003, a Prisma entrevistou a médica Jacira Weimann que estudava os casos de afastamentos na Superintendência da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul desde 1991. Na época, ela identificou um elevado índice de absenteísmo (dias perdidos em relação aos dias trabalhados), analisando o custo invisível das doenças para a instituição,
com os afastamentos por motivos de saúde. Contudo, a iniciativa local não encontrava eco
no âmbito nacional. Na mesma reportagem, o diretor da Divisão de Assistência Médica à época, o médico Diomar Rocha, reconhecia que a ausência de informatização e programas específicos impossibilitava um “retrato exato da situação da saúde dos policiais federais” em todo o país.

Duas edições depois, a Prisma entrevistava a psicóloga Anelice Enes que anunciava estar em estudo a criação do Serviço de Assistência Médica-Psicossocial na Polícia Federal. A médica dava uma pista do principal obstáculo nesse caminho: o preconceito. Segundo ela, não apenas dentro da Polícia Federal quanto fora, os psicólogos são vistos como uma ameaça, e as pessoas acabam acreditando que só precisam de tratamento quando estão “loucas”.

Em 2009, o então chefe do Serviço Médico, André Ricardo, apontava que a necessidade de
mais investimento na saúde dos policiais se esbarrava em questões orçamentárias. Naquele ano, a Polícia Federal continuava sem estatísticas oficiais consolidadas sobre casos de suicídios e afastamentos por doenças. O médico alegou que não havia estrutura pessoal para realizar o levantamento nos estados.

Nesse mesmo ano, foi editada uma instrução normativa dispondo sobre a criação do  Programa de Atendimento Biopsicossocial para os servidores da PF. O programa
seria executado por meio de um Comitê Gestor e por equipes de atendimento nas unidades
centrais e em cada uma das Superintendências Regionais. Cada equipe deveria ser integrada por, no mínimo, quatro servidores da área de saúde nas áreas de psiquiatria,
psicologia, serviço social e enfermagem.

Além de ações para melhorar a qualidade de vida e proporcionar bem-estar físico,  psicológico e social dos servidores, o programa previa a realização de pesquisas periódicas sobre as condições de saúde dos servidores, com a manutenção de um banco de dados
para acompanhamento dos casos de afastamento. Entretanto, a norma nunca saiu do papel.

A presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Plano Especial de Cargos da PF (SinpecPF), Leilane Ribeiro de Oliveira, lamenta que a instrução normativa não tenha sido
concretizada. Ela conta que, em 2009, equipe de profissionais do Simed (Serviço Médico da Polícia Federal) desenvolveu trabalho de Mapeamento das Doenças Ocupacionais dos Servidores da Polícia Federal, que conquistou o Prêmio Plínio Brasil Milano, cedido pela ISMA (International Stress Management Association). No trabalho ficou constatado que
boa parte dos males que afligem os servidores da instituição estão relacionados com a natureza estressante da atividade policial.

Para a reportagem atual, a Prisma procurou a assessoria da Polícia Federal, mas não conseguiu informações quanto aos casos de suicídios dentro da instituição. Não se sabe se foi pela ausência desses dados consolidados ou se pelo fato do assunto ser considerado um tema sensível de divulgação. Em todo caso, certo mesmo é que a corporação segue sem previsão de avanços na área.

|REAÇÃO LOCAL. A morte dos dois policiais, no espaço de 15 dias,possivelmente  associada a quadro depressivo, colocou a Superintendência da Polícia Federal em Brasília em alerta. A unidade tratou de enviar ofícios aos Conselhos Federais e Regionais de
Psicologia e de Medicina pedindo ajuda.

A consulta foi no sentido de que os Conselhos informassem os casos em que o porte, posse, manejo e acesso de arma por policiais federais devessem ser restringidos ou não recomendados, em razão do tipo de medicação ou comportamento apresentado.

No documento, a Superintendência justifica que “a preocupação externada se deve, diante de um quadro crescente de manifestações suicidas na instituição, ao fato de o serviço médico da Polícia Federal não possuir, em seu quadro definitivo, médico psiquiatra e  psicólogo”.

A Polícia Federal convive com absoluta falta de equipe multidisciplinar. Não há terapeutas, psicólogos, psiquiatras, técnicos de enfermagem. A única psicóloga do serviço médico foi removida para a Academia Nacional de Polícia. Já os psicólogos estão todos lotados no Sistema Nacional de Armas, com a atribuição de avaliar o credenciamento de clínicas
autorizadas a efetuarem o teste psicológico de aptidão para uso de arma de fogo. Para a atividade policial, não há equipe médica vinculada e os médicos da Junta Médica só se reúnem para fins de elaboração de laudos e avaliação de atestados de afastamento de mais de 30 dias e para fins de aposentadoria por saúde.

De acordo com o SinpecPF, o quadro de profissionais de saúde na PF está muito abaixo do ideal e isso se dá porque boa parte desses profissionais deixa a instituição em busca de  melhores salários pagos em outros órgãos públicos ou na iniciativa privada. O sindicato defende a reestruturação da carreira administrativa como forma de fixar esses profissionais
na PF, sem deixar postos vagos e sem ter de recorrer aos desvios de função.

A obrigatoriedade do exame psicológico anual com equipe multidisciplinar  (terapeuta/psicólogo/ psiquiatra) permitiria à Polícia Federal ter conhecimento da saúde mental dos servidores, com maior possibilidade de intervir quando necessário. Como não há testes preditivos ou critérios clínicos que possam dizer antecipadamente quem cometerá ou não o suicídio, a psicóloga Carolina Yoshii também aposta no acompanhamento psicológico periódico. “Acho fundamental que o acompanhamento seja rotineiro, justamente porque as situações de cobrança, tensão e riscos são circunstâncias que fazem parte do cotidiano do policial”, avalia.

|MAIS DO QUE NECESSÁRIO. De acordo com a psicóloga Carolina Yoshii, existem algumas profissões que, em razão das atribuições do cargo e características da organização a que estão vinculadas, acentuam a necessidade do apoio psicológico. O trabalho policial é um deles. Quem é policial lida constantemente com situações adversas, com a segurança e muitas vezes com a vida e a morte de outros seres humanos. Além disso, precisam tomar decisões rápidas, o que exige agilidade e preparo mental em contextos de risco para enfrentar situações extremas.

“Por esses motivos, é tão importante o apoio psicológico, o qual sempre busca a (sobre)  vivência em situações diárias de estresse e cobrança, tanto hierárquica como social”, alerta a especialista.

A carga excessiva de trabalho, com escassez de pessoal e precariedade de meios são alguns componentes desequilibradores que provocam desadaptação social, interpessoal e organizacional. Além das cobranças extremas, muitos policiais exercem suas  atividades em condições precárias e em localidades inóspitas, sem uma política de remoção adequada.

A psicóloga, que eventualmente trabalha com policiais, pontua características em comum entre eles. “O sofrimento psíquico devido à ocupação, seja no trabalho nas ruas, seja na atuação dentro da organização é uma característica comum entre eles”, explica. Yoshii enfatiza que apoiar e oferecer auxílio periódico gera um quadro de profissionais estáveis, centrados e mentalmente saudáveis.

O SinpecPF defende a adoção de uma política de saúde preventiva especificamente orientada para a realidade vivenciada na PF. Hoje, ocorre uma generalização do serviço de saúde prestado ao servidor público. A intenção do Governo parece ser contornar a falta de pessoal por meio do compartilhamento de profissionais entre os órgãos.

“É muito mais complicado para profissionais de outros órgãos, que não conhecem a fundo
a rotina da PF, realizar esse trabalho de forma eficiente”, justificou a presidente do  SinpecPF.
 


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