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31/07/2013 - 16:34:32

OPINIAO

Polícia conciliadora de primeiro mundo

O jurista Luiz Flávio Gomes fala sobre o projeto Necrim

  • ADPF
  • Luiz Flávio Gomes

   

Se alguém quiser conhecer uma polícia conciliadora de primeiro mundo já não é preciso ir ao Canadá, Finlândia, Noruega, Dinamarca ou Suécia. Basta ir a Bauru, Lins, Marília, Tupã, Assis, Jaú e Ourinhos (todas no Estado de São Paulo). Necrim significa Núcleos Especiais
Criminais. Pertencem à Polícia Civil do Estado de São Paulo. Paralelamente à função  judiciária, foram instalados vários Necrims nas cidades mencionadas. É uma revolução no campo da resolução dos conflitos penais relacionados com os juizados especiais criminais.

Por meio da conciliação estão  sendo resolvidos muitos conflitos. Que essa iniciativa  pioneira e alvissareira (para além de humanista e sensata) se espalhe por todo país, o mais pronto possível, até se chegar a uma nova carreira (ou uma fase inicial da carreira) dentro da polícia civil: delegado de polícia conciliador. O ser humano jamais entenderá seu  semelhante enquanto não se debruçar sobre seus problemas. “Se você não é parte da solução [dos problemas humanos], então é parte do problema” (Eldridge Cleaver, americano, ativista).

Vejo os Necrims paulistas como empreendimentos paralelos aos juizados especiais  criminais de Mato Grosso do Sul, no princípio da década de 90, regidos por legislação  estadual. Na época eu disse que para conhecer uma Justiça avançada já não era preciso  cruzar o Atlântico, bastava transpor o rio Paraná.

Sobre a eficácia conciliadora dos Necrims acaba de ser apresentada uma monografia de  pós graduação lato sensu, por Luís Henrique Fernandes Casarini, sob a orientação de  Edson Cardia, no Centro de Estudos Superiores da Polícia Civil, da Academia de Polícia,  em São Paulo. Os números exitosos das conciliações são muito promissores.

A conciliação, com a presença de advogado, é uma forma alternativa  e civilizada de resolução de conflitos. São iniciativas como essas que marcam a inventividade e  criatividade do brasileiro para o bem. Nem todos os delegados contam com pendor para  essa atividade. Daí a necessidade de escolher as pessoas certas para o desempenho da  nobre função de conciliar. Quem não tem a mente aberta para isso não deve assumir tal  papel. No início da carreira, todo delegado de polícia deveria passar um período nesse  setor.

A primeira experiência do Necrim ocorreu na cidade de Ribeirão Corrente, na região de Ribeirão Preto, por iniciativa do delegado de polícia Cloves Rodrigues da Costa, em meados  o ano de 2003. Ganhou força a partir de 2009/2010, sobretudo na região de Bauru (SP). As Polícias Civis de todo país deveriam se inspirar nesse trabalho pioneiro para  inovar, para se reinventar. Prevenir maiores conflitos é tão relevante quanto reprimir os  crimes, porém, a vantagem é que a prevenção vem antes da lesão ao bem jurídico. Sou  favorável aos Necrims e pretendo lutar para que eles se espalhem para todo país. Se você  tem interesse nesse assunto, leia mais sobre ele no meu blog (blogdolfg.com.br). “O  futuro não é o que tememos. É o que ousamos” (Carlos Lacerda, brasileiro, político).

|Crimes de menor potencial ofensivo. Com base na monografia de Casarini (acima citada), cabe sublinhar que os Necrims desenvolvem suas funções conciliadoras nos crimes de  menor potencial ofensivo, dependentes de “queixa” ou de “representação” do ofendido. O  delegado de polícia, nesse caso, assume o papel de conciliador, passando a mediar as  partes e presidir audiências conciliadoras, formalizando o acordo em um documento que se denomina “Termo de Composição Preliminar”.

Tal documento integra os autos do correspondente Termo Circunstanciado, antes de sua remessa ao Fórum, para apreciação do Ministério Público e eventual homologação do Poder Judiciário (do juiz).

|Primeira portaria e primeiro núcleo. A monografia citada informa que “no ano de 2009, a experiência positiva e os resultados obtidos inspiraram o então diretor do Departamento de  Polícia Judiciária de São Paulo Interior – DEINTER 4, sediado em Bauru, Licurgo Nunes  Costa, que já elaborava projeto destinado à instalação de órgãos insertos na política de Polícia Comunitária e que buscavam a melhoria da qualidade do atendimento aos crimes de  enor potencial ofensivo e a consequente padronização dos atos de polícia judiciária nos  Termos Circunstanciados, culminando na edição da Portaria DEINTER- 4 nº 06/2009”.

O primeiro Núcleo “foi instalado em 11 de março de 2010 na cidade de Lins, junto à  Delegacia Seccional de Polícia, órgão setorial, sendo pioneira a autoridade policial em exercício, o delegado de polícia, hoje de primeira classe, Orildo Nogueira”.

Diante dos  resultados altamente positivos e da repercussão e aceitação junto ao Poder Judiciário daquela Comarca, que emprestou incondicional apoio pelo magistrado Luís Cesar  Bertoncini, que era o titular da 2ª Vara Criminal e da Vara da Infância e Adolescência.

A Polícia do Rio de Janeiro foi a primeira a visitar as unidades dos Necrims, com o  propósito de levar a ideia para aquele Estado. Que todos os demais Estados do
país façam a mesma coisa. “O futuro tem muitos nomes. Para os fracos, é o inatingível.  Para os temerosos, o desconhecido. Para os valentes, a oportunidade” (Victor Hugo,  francês, escritor).

Os Necrims seguem os princípios inspiradores dos Juizados Especiais, Cíveis e Criminais: princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade como se retira dos artigos 2º e 62 da lei em comento.

Na monografia acima mencionada mencionada Casarini ainda sublinha:

“Em 9 de outubro de 2009, a Secretaria da Segurança Pública editou a Resolução SSP No. 233/09, de sua parte assentada nos considerandos relativos ao cumprimento aos princípios constitucionais da eficiência e da legalidade e que os órgãos policiais devem desempenhar  suas funções com estrita obediência às atribuições rigidamente fixados pelo art. 144 da  Constituição Federal.”

“A Resolução veio regulamentar a elaboração do Termo Circunstanciado, do Termo  Circunstanciado, previsto no artigo 69 da Lei 9.099/95, estabelecendo a competência  exclusiva do delegado de polícia para a sua lavratura.”

“O objetivo pragmático da Resolução foi solucionar e decidir sobre conflitos corporativos  originados na disposição militar de laborar na seara das infrações de menor potencial  ofensivo, chamando a si a competência para elaboração dos Termos Circunstanciados.”

“Em 2009 as apurações de cunho estatístico efetuadas na área do DEINTER-4, considerando as 145 unidades policiais subordinadas, mostraram que o número de Termos Circunstanciados consistiam na quarta parte das ocorrências, ou seja, 25% delas.”
Os Necrims retratam, no Brasil, total alinhamento com a filosofia da Polícia Comunitária. Polícia perto do povo, perto das pessoas necessitadas de apaziguamento, de conciliação.

Linhas gerais dos Necrims (informadas pela monografia referida):

“a) as conciliações preliminares entres as partes envolvidas nos delitos de menor potencial ofensivo, que dependam de queixa ou representação, formalizando o correspondente Termo de Conciliação Preliminar;

“b) Encaminhar ao Poder Judiciário a expressa manifestação de vontade dirigida à instauração da ação penal, juntamente com o respectivo Termo Circunstanciado e demais peças de Polícia Judiciária, observando o cumprimento dos princípios da celeridade e economia processual consignados na Lei 9.099/95.”

A excelente notícia que se lê na monografia é a absoluta inexistência em alguns deles e a ínfima incidência em outros, da reincidência do conflito entre as partes conciliadas.

Os Necrims constituem “um policiamento preventivo especializado, da atividade de polícia administrativa, e da preservação da paz social focada na defesa dos direitos da pessoa humana e promoção da interação comunitária, e na busca da excelência na qualidade dos serviços prestados e no atendimento dispensado aos administrados.”

“As lides conciliadas foram definitivamente extintas, demonstrando o alto grau de eficiência do serviço público prestado e a realização de trabalho preventivo. Ao se dirimir de forma eficaz os conflitos interpessoais que ensejaram crimes de menor potencial ofensivo, diretamente se previne a incidência de crimes mais graves. Também diminuem o volume de trabalho nas demais unidades policiais de base, ampliando e racionalizando o tempo necessário para as demais atividades de Polícia Judiciária. Não interferem na atividade privativa do Poder Judiciário, ou seja, na jurisdição nem do parquet porque, como se demonstra, as conciliações alcançadas – e não são poucas – ficam condicionadas, para o desfecho, à apreciação dos magistrados que poderão, ou não, homologá-los, diante de prévia opinio do órgão ministerial.”

“O futuro depende de muitas coisas, mas principalmente de você” (Frank Tyger, escritor). Que todas as Polícias Civis do Brasil se inspirem nesse exemplo de criatividade para o bem.

 

Avante!

 

 


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