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31/07/2013 - 17:36:30

DROGAS

Reação em Cadeia

Debate sobre internação compulsória ganha força e traz novas questões como condição das Comunidades Terapêuticas e tratamento adequado aos dependentes

  • Revista Prisma
  • Amanda Bittar

   

O início de 2013 foi marcado por uma intensa discussão a respeito da adoção da internação compulsória no estado de São Paulo. A polêmica aconteceu após o governo do estado dar início à parceria com o Ministério Público, Tribunal de Justiça e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para plantão especial no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) para atendimento diferenciado aos dependentes químicos. A partir de então, em casos extremos, a Justiça poderia decidir pela internação compulsória.

Em grande parte contra a medida, entidades do terceiro setor, sociedade civil e outros órgãos promovem, desde então, debates e discussões sobre a temática, que dialoga com o Projeto de Lei nº 7663/2010, de autoria do deputado Osmar Terra. O projeto altera a Lei nº 11.343/2006, a qual normatiza questões referentes às drogas. Já em março deste ano, foi instalada, na Câmara dos Deputados, Comissão Externa, presidida pelo deputado Givaldo Carimbão, destinada a acompanhar a execução das medidas de internação compulsória de dependentes químicos no estado de São Paulo e outros quesitos abordados pelo projeto de lei.

Desde o lançamento, em 2011, do projeto “Crack, é possível vencer”, do Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça, e em parceria com outros órgãos, o tema da internação compulsória ganhou mais força, gerando debate até mesmo entre os ministros da Saúde e da Justiça.

De acordo com a psicóloga Janete Krissak Pinheiro, diretora da Clínica Renascer de Brasília, a internação é uma medida válida, desde que acompanhada de um tratamento continuado, que possibilite ao paciente prosseguir em abstinência. “A internação sozinha não é eficaz. Para além de o dependente chegar a uma unidade de tratamento, compulsoriamente, é preciso fazer um trabalho de acesso e construção ao desejo de tratar-se. Se a resistência permanecer, de nada adiantou a medida”, comenta.

Para alguns estudiosos da área, trazer à tona a internação compulsória seria retornar à época dos manicômios, em que usuários eram presos e, por vezes, sofriam maus-tratos. O problema foi retratado no polêmico filme brasileiro Bicho de Sete Cabeças, dirigido por Laís Bodanzky, no qual o personagem de Rodrigo Santoro é submetido a “tratamento” forçado. A comparação com os manicômios foi realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), ainda em 2011, ao divulgar o resultado da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos, na qual 68 comunidades terapêuticas foram vistoriadas, muitas tendo sido encontradas em situações que violam direitos de liberdade e até mesmo os direitos humanos.

A discussão sobre as comunidades terapêuticas ganhou mais impulso quando o Governo Federal, em 2012, lançou edital de cadastramento dessas instituições para o tratamento de usuários, como uma forma de auxiliar a estrutura do Sistema Único de Saúde. O edital visava gerar mais de 10 mil novas vagas para o acolhimento gratuito de usuários e dependentes de drogas em todo país e também integrava as ações da política nacional de enfrentamento ao crack. Segundo o documento, as comunidades terapêuticas receberiam os recursos para ação do Fundo Nacional Antidrogas, com o pagamento de mil reais mensais, pelo serviço de acolhimento de adulto e 1,5 mil reais, por mês, para crianças, adolescentes e mães em fase de amamentação.

A medida gerou ainda mais polêmica, pois era um indício de que o SUS, por si só, não teria condições de receber os usuários, que por sua vez, não teriam condições de arcar com os custos de um tratamento em clínica particular, onde os valores por vezes superam mil reais por dia de internação.

O delegado de polícia federal, Cláudio Tusco, diretor de Comunicação da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) salienta, entretanto, que não há riscos de um retorno à época manicomial, situação proibida pela chamada “Lei da Saúde Mental”, em 2001.

Segundo Tusco, depois do relatório do Conselho Federal de Psicologia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicou uma resolução que determina regras para essas instituições. “A Anvisa regulamentou os requisitos de segurança sanitária. O descumprimento é fiscalizado e pode gerar a interdição do estabelecimento”, reforça o delegado.

Ainda rondam o debate sobre o assunto outras questões delicadas, como a intenção de realizar uma “higienização” da área conhecida, em São Paulo, como Cracolândia. Segundo o portal online do governo do Estado, porém, a internação compulsória não deverá ser aplicada como regra, e sim como exceção. O indicado é que assistentes sociais tentem convencer o usuário de que o tratamento será benéfico a ele.

O delegado Tusco enfatiza, entretanto, que não é dever da polícia realizar essa abordagem. “A internação compulsória não deve ter tratamento policial, mas de assistência social e médica. A função policial é fazer cumprir a lei quanto aos que se aproveitam da situação de fragilidade dos usuários de drogas, promovendo a prisão para que traficantes e seus financiadores respondam perante o Poder Judiciário pelos crimes cometidos”, comenta.

|Projeto de Lei. A internação compulsória não faz parte do Projeto de Lei do deputado Osmar Terra, que defende, entretanto, a internação involuntária, na qual a família deve manifestar a intenção de internar o dependente e este, por sua vez, deve passar por médicos especializados que o diagnostiquem e validem a indicação da internação contra a vontade. Segundo o deputado, essa parte do tratamento deve durar de 15 a 45 dias, com o objetivo de desintoxicar o dependente e deve ocorrer em ambiente hospitalar, pois é uma fase na qual o dependente está condicionado a duras crises que podem ser seguidas de sintomas mais graves que levem ao coma, por exemplo.

“Hoje, no Brasil, temos mais de dois milhões de usuários de crack, que é um número absurdo. Só existem duas maneiras de a pessoa enfrentar a dependência química, que é a internação voluntária, a qual pouquíssimos aceitam, pois na maioria das vezes o usuário só quer se internar voluntariamente quando já está em um grau muito avançado de dependência. O que eu proponho é uma internação involuntária, para antecipar ao máximo o tratamento”, comenta o deputado.

O parlamentar ressalta que o Brasil possui legislação ineficaz para o tema, pois desde a promulgação da Lei nº 11.343/2006, o número de usuários de drogas no país triplicou, com índices mais expressivos para o uso de crack. “Um dado muito significativo é o do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que mostra que o auxílio doença por dependência química sempre foi liderado pelo álcool. Até 2006, o álcool, como uma droga legalizada, sempre foi a principal causadora de dependência química. A partir de então, o crack passou à frente do alcoolismo e, hoje, o número de auxílio doença por dependência química é três vezes maior para o crack e cocaína do que para o álcool”, reitera.

O Brasil, assim como outros países desenvolvidos, possui legislação que diferencia o usuário do traficante, mas, por outro lado, possui uma série de fatores que dificultam o enfrentamento e prevenção das drogas. Um ponto a se destacar, por exemplo, é que o país possui uma grande extensão territorial em fronteira com países produtores e exportadores de drogas como Bolívia e Colômbia. Com a entrada de drogas em grande número, aumenta o número de dependentes e, por consequência, a necessidade de tratar, adequadamente, os usuários.

Segundo a psicóloga Janete Krissak Pinheiro, os tratamentos, para obter resultados significativos, devem ser direcionados, respeitando a particularidade de cada paciente.
 “Avaliamos a singularidade de cada caso para atender a sua individualidade. Nesse sentido, o tratamento é diferenciado em âmbito geral, ou seja, os pacientes ditos psicóticos possuem uma assistência médica/psiquiátrica e psicológica individualizada, além de assistência em grupos específicos, respondendo satisfatoriamente a regressão de seus sintomas. As famílias também são assistidas, mas não na postura de co-dependentes, mas sim, em suas dificuldades em lidar com a dependência do outro”, reforça.

O Projeto de Lei 7663/2010 também se refere a outro ponto delicado, a reinserção do usuário à sociedade. Para isso, visa desenvolver programas setoriais e intersetoriais destinados ao atendimento das necessidades específicas dos usuários e dependentes de drogas, adotar estratégias de articulação entre órgãos públicos e entidades privadas, com organismos internacionais e estrangeiros para a implantação de parcerias para a execução das políticas sobre drogas, além de ampliar as alternativas de inserção social do usuário ou dependente de drogas, promovendo programas que priorizem a sua educação, e a qualificação profissional.

Como método de coibir o aumento da oferta de drogas, o PL aumenta o tempo de prisão por tráfico de 5 para 8 anos, medida que segundo o deputado Osmar Terra é de suma importância, pois significa, diretamente, diminuir a quantidade de drogas nas ruas e, consequentemente, prevenir a população de grande exposição a elas. “Pelo tamanho que o Brasil tem, ele tem que se preparar para ter um numero maior de pessoas fora de circulação, portanto, presas, até encontrar uma saída do ponto de vista social, econômico, que diminua esse tráfico brutal de drogas”, fortalece.

Com grande variedade e abordagens de temas, o que se vê é que muito ainda se deve discutir sobre o assunto. Com a comissão instaurada, diversos parlamentares deverão debater e aprofundar o assunto das drogas e com a polêmica da descriminalização, assim como com outras frentes, como a internação compulsória e tratamento em comunidades terapêuticas. Para avançar, é necessário que a discussão conte com forte participação da opinião pública, para que o país não atropele etapas e retroceda tentando progredir.

 

 


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