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31/07/2013 - 18:16:03

REFORMA POLÍTICA

Fechado para reforma

Casos como o Mensalão (tanto o nacional, quanto o do Distrito Federal e o de Minas Gerais), investigados pela PF, comprovam ser urgente a necessidade de uma reforma política no Brasil. As manifestações populares do final de junho impulsionou o andamento de algumas medidas

  • Revista Prisma
  • Vanessa Negrini

   

Financiamento público exclusivo de campanha, fim do foro privilegiado, voto aberto. Quais as lições que o julgamento do Mensalão, investigado pela Polícia Federal, deixa para o país? O caso expôs as fragilidades do nosso sistema político, mostrando que é preciso avançar numa ampla reforma. O assunto ressurgiu com fôlego quando milhares de brasileiros tomaram as ruas no final de junho exigindo mudanças.

 

A Prisma conversou com exclusividade com o cientista político David Fleischer sobre o assunto. Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), o foro privilegiado dificultou o julgamento do Mensalão. Pelas regras atuais, parlamentares, ministros de Estado, membros do Ministério Público, presidente, governadores, prefeitos e outras autoridades políticas, não são julgados pela Justiça Comum. Seus casos sobem para o Supremo Tribunal Federal (STF) ou para tribunais superiores.

 

Para Fleischer, o foro privilegiado é a primeira coisa que precisa cair no país para a justiça ser aplicada de forma efetiva. Em outros países, autoridades que comentem crimes são julgadas em tribunais de primeira instância como qualquer cidadão.

 

Outro ponto defendido pelo estudioso é que um parlamentar condenado e sentenciado a ir para a prisão deve ser desligado automaticamente da Câmara e ou Senado. Ele afirma que há entre 10 e 12 deputados nessa situação que a Câmara resiste em afastar. Natan Donadon foi o primeiro deputado em exercício a ser preso por determinação do Supremo desde a Constituição de 1988. Ele foi recolhido pela Polícia Federal.

 

Nesse sentido, uma proposta interessante seria a PEC-18/2013, que prevê a cassação automática de parlamentares condenados por improbidade administrativa ou crimes contra a administração pública, com sentença transitada em julgado. De autoria do senador Jarbas Vasconcelos, o texto ficou de fora da agenda positiva do Congresso pós-manifestações.

 

|MANTO DE IMPUNIDADE. Apesar de já ter caído no Distrito Federal e em diversas assembleias legislativas nos estados, o voto secreto persiste no Congresso Nacional. Para David Fleischer se a votação fosse aberta na cassação de mandatos, vários parlamentares não teriam escapado da punição. Como foi o caso da deputada Jaqueline Roriz, flagrada em vídeo, de 2006, recebendo dinheiro de Durval Barbosa, delator do esquema que ficou conhecido como o mensalão do DEM. Em votação secreta, o placar final registrou 265 votos pela absolvição, 166 pela cassação e 20 abstenções. Eram necessários 257 votos para tirar o mandato de Jaqueline.

 

O financiamento público exclusivo é outra condição para evitar que a política se transforme num balcão de negócios, que culminem em casos como o do Mensalão. Segundo Fleischer, a medida reduziria drasticamente o custo financeiro das eleições. O professor ressalta que uma das razões para os pleitos serem cada vez mais caros, é a eleição para deputado, no sistema de representação proporcional com lista aberta, em que cada candidato faz sua campanha individualmente, levanta seu dinheiro e gasta como quiser.

 

“Se a lista for fechada, todo mundo só vota no partido e não mais em votos nominais, isso reduziria muito o custo da eleição e casaria muito bem com o financiamento público exclusivo”, defende o cientista político.

 

Ele sustenta ainda medidas como a eliminação das coligações para o cargo de deputado. Cada partido lança sua lista e só poderia haver coligação para cargos majoritários, como prefeito, senador, governador e presidente. A medida ajudaria a reduzir o número de partidos, em especial os nanicos, sem propostas ou ideologia, que acabam servindo de “aluguel” para ocupar espaço no horário eleitoral gratuito.

 

“Hoje temos 21 partidos representados na Câmara, sendo que 7 ou 8 não conseguem sequer 1% dos votos válidos. São partidos que só conseguem eleger parlamentares em coligação com partidos maiores”, afirmou Fleischer que defende a adoção de uma barreira de 2 a 5% (como é na Alemanha) para o partido eleger algum representante.

 

|FICHA LIMPA. Na opinião do cientista político David Fleischer, a grande reforma política que já está em prática desde 2012 é a ficha limpa. Ele espera que a Justiça Eleitoral aplique a lei com grande vigor em 2014. Como aproximadamente 1/3 da Câmara dos Deputados tem ficha suja, muito parlamentar não poderá se candidatar a reeleição. A medida vai eliminar muita gente com antecedente criminal, que usava o mandato apenas para ter impunidade parlamentar.

 

Entretanto, o professor vê uma ameaça à plena execução da ficha limpa. “Um dos grandes problemas do Brasil se chama liminar, você pode conseguir uma liminar para fazer praticamente qualquer coisa”, ressalta. Fleischer lembra que no início do ano houve dezenas de eleições extras suplementares, pois candidatos eliminados pela ficha limpa conseguiram liminares para manter as candidaturas. Depois de eleitos, finalmente foram eliminados pelos tribunais superiores e novas eleições tiveram que ser convocadas nessas cidades.

 

|CAIXA DOIS. A derrubada da tese do caixa dois, sustentada pela defesa, foi considerada uma das grandes vitórias no julgamento do Mensalão. Como grande parte dos recursos foi desviada do Banco do Brasil, o STF julgou o caso como roubo de recursos públicos, o que viabilizou a responsabilização dos acusados.

 

O termo caixa dois refere-se a recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização competentes. Com a ausência do financiamento público exclusivo de campanha, as doações secretas se tornaram práticas comuns na política brasileira. Entretanto, considerado uma mera contravenção, de natureza contábil, o caixa dois é visto como um tipo penal menor. No Brasil, até hoje, ninguém foi mandado para a prisão por causa disso. Com o financiamento público exclusivo de campanha, qualquer contribuição de pessoa física ou jurídica será ilegal e, assim, o caixa dois será finalmente criminalizado.

 

Fleischer aponta ainda o impasse do sistema legislativo bicameral. Para ele, “os ciúmes e as vaidades” entre as duas casas – Senado e Câmara – faz com que projetos importantes fiquem emperrados. No caso da reforma política, ele afirma que o Senado Federal já fez o dever de casa, analisou e votou as principais propostas. Mas, na opinião do analista, a Câmara estaria “esnobando” o trabalho feito pelo Senado, retardando o andamento dos projetos.

 

|RECURSOS SEM FIM. O professor David Fleischer chama atenção para a necessidade de também avançar com as reformas no Judiciário. Ele se lembra da chamada “PEC dos Recursos”. O então presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, quis aprovar no Congresso proposta de emenda à Constituição para impedir que recursos que chegam às cortes superiores suspendam a aplicação das sentenças de tribunais estaduais e federais de segunda instância.

 

A “PEC dos Recursos” propunha a imediata execução das decisões judiciais, logo após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais). Nas hipóteses de admissibilidade dos recursos extraordinário (para o STF) e especial (para o STJ), o trânsito em julgado da decisão contra a qual se recorre seguiria normalmente. Ou seja, a PEC acabaria com o efeito suspensivo aos recursos.
Para o cientista político, a aprovação da PEC seria fundamental para se acabar com a sensação de impunidade no país.  Segundo Fleischer, hoje temos “um sistema de grande desigualdade para alocação da justiça”.

 

“Se você for ladrão de galinha, pobre, sem condições de contratar um grande advogado, em três semanas estará na prisão. Quanto mais rico e poderoso você for, mais tempo levará para ser condenado e talvez nem chegue a ser preso”, afirmou o estudioso.

 

Com a PEC, uma causa que levaria em média 20 anos para ser concluída, passaria a ser julgada em cinco. Isso representa uma resposta, sobretudo à segurança e à expectativa jurídica da sociedade. Outra consequência é que a proposta desestimularia os recursos inúteis porque não haveria mais tempo a ganhar com protelações. A valorização dos juízes de primeiro grau e dos tribunais também está entre as consequências previstas.

 

|INICIATIVA POPULAR. Para o professor David Fleischer a indignação do povo é cada vez maior e pode provocar mudanças efetivas. A ficha limpa só foi aprovada a partir de um projeto de iniciativa popular, que tramitou em menos de um ano. Muitos analistas acreditam que a reforma política somente será possível via iniciativa popular.

 

Nesse sentido, a aprovação da PEC-3/2011 pode se tornar o impulso decisivo ao andamento da reforma política pela via popular. A proposição, que tem como primeiro signatário o senador Rodrigo Rollemberg, diminui o número de assinaturas necessárias para a apresentação de projetos de lei e estabelece que propostas de Emenda à Constituição (PECs) também possam ser apresentadas por cidadãos. Hoje é necessário que um projeto de iniciativa popular tenha assinaturas de pelo menos 1% do eleitorado nacional, o que significa algo em torno de 1,3 milhão de eleitores. Com a PEC 3/2011, será preciso apenas 0,5% dos votos do eleitorado nacional, ou seja, cerca de 650 mil assinaturas. A matéria já foi aprovada pelo Plenário do Senado Federal e agora depende de análise da Câmara dos Deputados.

 

 


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