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21/05/2015 - 15:37:19

OPINIÃO

A Atuação Investigatória da Polícia Judiciária e o Controle Externo de Legalidade do Ministério

Confira o artigo do Delegado de Polícia Federal Duílio Mocelin Cardoso sobre a atuação investigatória da Polícia Judiciária

  • Revista Prisma
  • Duílio Mocelin Cardoso


A Polícia Judiciária, centralizada na figura do Delegado de Polícia, foi o modelo de instituição policial que se consolidou com a Constituição da República de 1988. Com base neste formato, foi abandonado um modelo policial eminentemente repressor e arbitrário, migrando-se para uma dinâmica investigatória focada nos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sem que este novo delineamento acarretasse prejuízos à ordem pública, à eficácia da lei penal ou aos interesses da coletividade.

 

A função constitucional do Delegado de Polícia de apuração dos fatos e de busca incessante da verdade material foi decorrente da incidência de princípios constitucionais na fase do Inquérito Policial, com o consequente afastamento da natureza meramente inquisitorial do procedimento investigatório.

 

Para cumprir tal mister, o Delegado de Polícia, com base nos postulados do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, passou a conferir aos investigados oportunidade ampla para o  requerimento de diligências, não assumindo pra si a tarefa única de gênese dos elementos de convicção.

 

Portanto, ao final de todo o procedimento investigatório, o quadro fático desenhado pelo Delegado de Polícia se aproximará dos acontecimentos reais, propiciando a responsabilização criminal de uns e a ratificação da inocência dos demais, como forma de aplicação dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, impedindo acusações injustas, arbitrárias e desprovidas de necessidade.

 

Para um melhor entendimento de toda a lógica da investigação criminal, necessário fazer iniciais esclarecimentos sobre alguns elementos objetivos e subjetivos do Inquérito Policial.

 

Quanto aos aspectos objetivos, há uma certa nitidez nos seus limites, caracterizada pela discricionariedade quanto aos meios investigatórios e pela busca da verdade material como fim maior de toda a atividade investigatória. Importante ressaltar que a atuação da Polícia Judiciária é desvinculada da fase processual, não podendo ser utilizada indiscriminadamente para a viabilização da ação penal.

 

Já no que toca aos seus aspectos subjetivos, é apresentado um quadro de complexidade, pois, apesar da não obrigatoriedade legal do contraditório, há um amplo leque de participantes que interagem na busca pela verdade material. Além da autoridade policial, também atuam na fase investigatória a autoridade judicial, o membro do Ministério Público, os advogados, os ofendidos e os autores do delito.

 

Diante do quadro de pluralidade de sujeitos, certas funções passaram a sofrer distorções, causando perplexidade e anomalias institucionais na atividade investigatória. Este panorama de embate é observado mais facilmente na relação entre a Polícia Judiciária e Ministério Público e exige uma rápida harmonização no plano legislativo, doutrinário e jurisprudencial, o que será objeto de análise.

 

Inicialmente, importante buscar a fundamentação constitucional e legal das atribuições do Ministério Público e da Polícia Judiciária bem como das suas inter-relações no âmbito das investigações criminais, a fim de que sejam fixados os contornos e limites de seus papéis na fase investigatória.

 

No que pertine à atuação do Ministério Público em relação às investigações conduzidas pela autoridade policial, tem-se a seguinte disposição constitucional. Senão, vejamos:

 

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

 

(...)

 

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

 

A Lei Complementar nº 75/93, ato normativo primário que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, por sua vez, também faz alusão aos poderes do Ministério Público sobre a condução da investigação presidida pelo Delegado de Polícia. In verbis:

 

Art. 38. São funções institucionais do Ministério Público Federal as previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, incumbindo-lhe, especialmente:

 

(...)

 

II - requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas;

 

Percebe-se que o Ministério Público, quanto a sua relação com Inquérito Policial, não tem disponíveis poderes ou funções que o autorizem a atuar como ator principal da investigação criminal. Cabe-lhe, nos termos legais, funções anômalas, estranhas à capacidade investigatória do Delegado de Polícia.

 

Deveras, a requisição de instauração de inquérito policial, o acompanhamento de sua tramitação, o direito de apresentação de provas e, por fim, a requisição de diligências investigatórias são poderes decorrentes da função fiscalizatória que a lei e o texto constitucional atribuem ao Parquet.

 

De outro lado, encontram-se também disposições constitucionais e legais que regem a atuação do Delegado de Polícia no seu mister de apurar materialidade e indícios de autoria de infrações penais.

 

Inicialmente, cabe trazer à baila excerto do texto da Constituição que disciplina o tema:

 

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

 

(...)

 

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

 

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

 

(...)

 

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

 

No que toca ao âmbito legal, a Lei nº 12.830/2013 trouxe inovações legislativas acerca da condução do Inquérito Policial, conferindo ao Delegado de Polícia, na qualidade de autoridade policial, a) discricionariedade, b) autonomia e c) exclusividade para a condução da investigação criminal.

 

Quanto à discricionariedade, tal característica da atuação do Delegado de Polícia é evidenciada desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal, por meio da redação do art. 6º, quando coloca, à disposição da autoridade policial, sem caráter de exaustividade ou vinculação, inúmeras diligências investigatórias que, conforme juízo de oportunidade e conveniência, poderão ser adotadas.

 

Como forma de fortalecer e sedimentar o papel discricionário e investigatório do Delegado de Polícia, foi previsto expressamente pela Lei nº 12.830/13 seu poder de requisição. Eis a redação da norma:

 

Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

 

(...)

 

2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

 

De mais a mais, o atributo da autonomia da autoridade policial está instituído no art. 2º, §1º da referida lei, quando é colocada como incumbência do Delegado de Polícia a condução da investigação criminal. O termo “condução” pressupõe a direção, o exercício de toda a atividade investigatória desenvolvida no decurso do Inquérito Policial, o que implica a inadmissibilidade de interferências internas, dentro do próprio órgão da Polícia Judiciária, ou externas, provenientes de demais participantes da persecução penal, impedindo-os de se imiscuir na esfera decisória do Delegado de Polícia.

 

Para tanto, a fim de conferir ao Delegado de Polícia liberdade de atuação no âmbito interno, a Lei nº 12.830/13 promoveu restrições ao ato de remoção e à avocação de inquéritos, circunscrevendo estas movimentações administrativas às hipóteses de ilegalidades ou a questões de interesse público.

 

Para uma melhor análise, segue a redação do texto legal evidenciando-se os institutos acima indicados. Senão, vejamos:

 

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

 

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

 

(...)

 

§ 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

 

§ 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.

 

Por fim, no que toca ao atributo da exclusividade, sua instituição expressa no plano normativo ocorre quando se atribui ao Delegado de Polícia a privatividade para o indiciamento por meio da Lei nº 12.830/13. Importante ressaltar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores já havia se sedimentado neste sentido, antes mesmo da entrada em vigor da norma, o que a legitima ainda mais em sua validade.

 

Ora, se a análise da materialidade e indícios de autoria é privativa do Delegado de Polícia, podendo somente ele, ao final das investigações, apontar quem foram os autores da infração penal, é pressuposto lógico desse poder a exclusividade da Autoridade Policial, no âmbito do Inquérito Policial e de outras investigações de natureza criminal, de realizar atividades investigatórias e de adotar as teses jurídicas que julgar mais adequadas. Segue o texto legal:

 

Art. 2º. As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

 

(...)

 

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

 

Outrossim, foi sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça o posicionamento jurisprudencial no sentido da exclusividade do Delegado de Polícia na condução do Inquérito Policial, sendo vedado ao Ministério Público o exercício da presidência deste procedimento criminal. É o que se observa nos arestos adiante reproduzindo posição majoritária:

 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. TESE DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO ATÉ JULGAMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

 

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal, já se firmou no sentido de que a competência para presidir o inquérito policial, exclusiva da polícia judiciária, não impede o Ministério Público, titular da ação penal, de promover diligências investigatórias para obter elementos de prova que considere indispensáveis à formação da sua opinio delicti.

 

(...)

 

(RHC 39.151/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 10/10/2013)

 

Conclui-se assim que, conforme posicionamento doutrinário e posição jurisprudencial majoritária dos Tribunais Superiores, fortalecida e ampliada pela Lei nº 12.830/13, a atuação do Delegado de Polícia apresenta as marcas da discricionariedade, autonomia e exclusividade, como forma de apurar os fatos e de garantir ao investigado o exercício de seus direitos e garantias constitucionais.

 

Ora, a abordagem introdutória teve o escopo de demonstrar as funções legais e constitucionais conferidas à autoridade policial e ao Ministério Público, evidenciando os atributos e poderes do Delegado de Polícia como protagonista e condutor da investigação criminal, cabendo ao Ministério Público o desempenho do papel de examinador de legalidade da atuação investigatória da Polícia Judiciária.

 

Nas próximas linhas, serão analisados os reflexos desta divisão de poderes entre autoridade policial e o membro do Ministério Público durante toda a tramitação do inquérito policial.

 

A condução do inquérito policial, conferido com exclusividade, autonomia e ampla discricionariedade, impede que outros órgãos ou entes se manifestem na fase investigatória da persecução penal de modo a se imiscuir no juízo de oportunidade e conveniência da autoridade policial. O Ministério Público, por sua vez, deve ser incumbido da função fiscalizatória sobre a investigação criminal, exercendo estritamente um controle de legalidade em todo o decurso da fase apuratória.

 

Para que fique mais límpida a relação entre o Ministério Público e a Autoridade Policial, serão conferidos os contornos de seus papéis em vários momentos da investigação criminal, quais sejam:

 

a) fase anterior à instauração da investigação;

 

b) fase de tramitação do inquérito policial;

 

c) fase posterior à finalização das apurações.

 

Na fase anterior ao início da investigação criminal, localizada entre a prática delitiva e a instauração do Inquérito Policial, o Ministério Público desempenha sua função fiscalizatória por meio da requisição de instauração do Inquérito Policial. Em virtude do princípio da obrigatoriedade, inexiste juízo de oportunidade e conveniência da autoridade policial para decidir se instaura ou não o inquérito policial sobre fatos reputados infração penal. Trata-se, pois, de um controle de legalidade sobre a Polícia Judiciária.

 

A requisição da instauração do Inquérito Policial, como dito, apresenta caráter vinculado, devendo ser atendido pela autoridade policial. Apesar disso, o conteúdo da Portaria, peça que formaliza o início da investigação criminal, é campo discricionário e exclusivo do Delegado de Polícia, a quem cabe definir a capitulação legal e as diligências investigatórias iniciais. É vedado ao Ministério Público se imiscuir neste campo sob pena de assumir, por via oblíquas, a presidência/condução da investigação criminal, o que encontra expressa vedação na Lei 12.830/13 e na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

 

No decurso do inquérito policial, compreendido entre a instauração e a confecção do Relatório, a relação entre o Ministério Publico e a Polícia Judiciária deve apresentar os mesmos contornos.

 

Cabe unicamente ao Delegado de Polícia decidir sobre qual a diligência investigatória que será empregada, o momento adequado para sua execução, as técnicas de inteligência que serão necessárias e as teses jurídicas que se mostrarão úteis para a apuração dos fatos. Todas essas variáveis localizam-se na órbita do juízo de oportunidade e conveniência da Autoridade Policial, campo de mérito administrativo.

 

Diante disso, a requisição de diligências investigatórias pelo Ministério Público no curso do Inquérito Policial invadiria o campo de mérito do Delegado de Polícia e se mostraria incompatível com sua função de controle de legalidade da Polícia Judiciária. Em outras palavras, seria gerada, de forma transversa e arbitrária, uma usurpação do papel de condutor da investigação conferido à autoridade policial.

 

A forma de exercício do controle de legalidade pelo Ministério Público ficará condicionada à necessidade ou não de autorização judicial para a efetivação de diligência investigatória.

 

Em regra, a execução de diligências investigatórias é feita pelo Delegado de Polícia, independente de manifestação ministerial e de prévia autorização judicial, utilizando-se para isso do poder requisitório, por meio do qual é trazido aos autos perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos, conforme prescreve o artigo 2º, §2º da Lei nº 12.830/13. Neste caso, o Ministério Público exerceria seu controle de legalidade por meio de vista dos autos a cada prazo legal.

 

Em caráter excepcional, no caso de medidas invasivas, a execução de diligências investigatórias pelo Delegado de Polícia depende de manifestação ministerial e de prévia autorização judicial. Nesta hipótese, enquanto a autoridade policial postula a adoção de determinada técnica investigatória invasiva, o Ministério Público fiscaliza a regularidade da medida, exarando, para isso, parecer de legalidade da medida.

 

Por fim, há a fase posterior à finalização da investigação criminal, localizada entre a confecção do Relatório e a propositura da ação penal. Com a conclusão do Inquérito Policial, por meio da edição de um Relatório Final, encontra-se findada a atuação da polícia judiciária, uma vez que a autoridade policial, por meio desta peça, reconhece que foram exauridas as diligências investigatórias disponíveis e adotadas as teses jurídicas mais adequadas para a busca do esclarecimento dos fatos.

 

Ao ser produzido o Relatório Final pela autoridade policial, os fatos terão sido amplamente apurados e a autoridade policial terá formado seu juízo de convicção, no sentido de indicar ou não a prática de um delito e, via de consequência, apontar os indícios de autoria delitivas existentes assim como a inexistência indiciária em relação a outros indivíduos que tenham sido citados na investigação.

 

A partir da confecção do Relatório, o papel de protagonista da persecução penal é transferido da autoridade policial, presidente da investigação criminal, para o Ministério Público, titular da ação penal, a quem cabe promover a processualização do feito por meio da apresentação da peça acusatória.

 

Aqui reside o único instante em que se mostra cabível a requisição das diligências investigatórias em face da autoridade policial sem que ocorra disfunção dos  órgãos da persecução penal.

 

Não obstante tal autorização, a requisição de diligências investigatórias deve obedecer aos limites legais e constitucionais impostos ao exercício do poder requisitório ministerial, sob pena de ser negada, de forma legítima, pela autoridade policial o cumprimento das diligências.

 

Passada, pois, a fase de delimitação dos papéis desempenhados pela Autoridade Policial e pelo Ministério Público no âmbito da investigação, acentuando a importância de ambas as instituições neste processo, é necessário definir os limites do poder requisitório a fim de se evitar abusos ou ilegalidades.

 

O poder requisitório do Ministério Público em relação à Polícia Judiciária, nesta fase de transição do formato inquisitorial para a etapa processual da persecução penal, não pode ser arbitrária, devendo se ater ao limites legais e constitucionais impostos à natureza fiscalizatória do ente ministerial.

 

Nesse contexto, o próprio texto constitucional restringe a natureza da requisição de diligências, retirando-lhe o caráter genérico e circunscrevendo-o à finalidade investigatória. Verbis:

 

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

 

(...)

 

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

 

Por conseguinte, não é pertinente a requisição para que a autoridade policial expeça ofícios a outros órgãos, nem determine a execução de outros atos de natureza cartorária ou sem conexão com a atividade-fim da Polícia Judiciária, sob o risco de tornar ilegítimo o exercício do seu poder requisitório.

 

O Código de Processo Penal, por sua vez, também traz outra limitação, tornando a requisição cabível somente quando a diligência for imprescindível para o oferecimento da denúncia. Eis redação legal:

 

Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.

 

Sendo assim, nota-se que a diligência deve ter por finalidade a construção da materialidade e dos indícios de autoria relacionados aos fatos sob apuração, já que são esses os requisitos para o oferecimento da denúncia, não sendo cabível o uso da requisição para obtenção de informações destoantes do contexto investigativo ou para instruir indiretamente procedimentos de natureza cível ou administrativa.

 

De mais a mais, o Código de Processo Penal impede que Ministério Público faça requisições à autoridade policial quando as informações complementares estejam na posse de outra instituição. Verbis:

 

Art. 47. Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los.

 

Desse modo, o ente ministerial deve exercer seu poder de requisição de forma direta em relação ao órgão que se apresente como possuidor das informações, documentos ou congêneres. Tal comando legal veda que se utilize da intermediação de outra instituição para a obtenção dos elementos de convicção que julgar necessários, sob pena de se causar ônus desnecessário ao órgão intermediador.

 

Nesse sentido, encontra-se construção jurisprudencial que se coaduna com a posição ora defendida, cuja essência da linha argumentativa é similar. São os arestos colacionados:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. REQUISIÇÃO DE DILIGÊNCIA PELO PARQUET. INDEFERIMENTO PELO JUIZ. POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DOS DADOS POR MEIOS PRÓPRIOS. ART. 129, VIII, CF/88. ART. 26, IV, LEI N.º 8.625/93. ART. 13, II, E 47 DO CPP. INCAPACIDADE DE REALIZAR A DILIGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. DESNECESSIDADE DE INTERMEDIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

 

1. De acordo com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, a intervenção do Poder Judiciário no sentido de determinar a realização de diligências requeridas pelas partes pressupõe a demonstração da sua real necessidade.

 

2. Hipótese em que não há indicação nos autos da existência de nenhum obstáculo para que o próprio Ministério Público requisite diretamente as providências almejadas.

 

3. Agravo regimental desprovido.

 

(AgRg no RMS n. 37.607/RN, Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, DJe 26/8/2014)

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE DILIGÊNCIAS POR OCASIÃO DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. INDEFERIMENTO PELO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DE INTERMEDIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.

 

DIFICULDADE EM REALIZAR AS DILIGÊNCIAS POR MEIO PRÓPRIO SEQUER ALEGADA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

 

I - Consoante entendimento deste e. Superior Tribunal de Justiça, o Poder Judiciário não está obrigado a deferir requisições pleiteadas pelo Ministério Público, senão quando demonstrada a real necessidade de sua intermediação (Precedentes).

 

II - In casu, não houve sequer alegação de dificuldade ou obstáculo para a realização das diligências pleiteadas pelo Ministério Público por meios próprios, o que exime a autoridade judiciária da obrigação de deferir a requisição, não havendo que se falar em direito líquido e certo do recorrente.

 

Recurso desprovido

(RMS 28.358/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2009, DJe 13/04/2009)

 

Ao cabo de tudo, em conformidade com o quadro constitucional e legal existente, nota-se que o poder de requisição do Ministério Público pode ser exercido somente em dois momentos bem definidos, como forma de não usurpação da função de presidência do inquérito policial do Delegado de Polícia:

 

a) anteriormente à instauração do Inquérito Policial – neste caso, o poder requisitório pode ser exercido somente com o propósito de se buscar a observância do princípio da obrigatoriedade pela autoridade policial, sem qualquer interferência em outros aspectos discricionários do Delegado de Polícia.

 

b) entre a confecção do Relatório Final e a propositura da ação penal – nesse caso, o poder requisitório busca a efetivação de diligência investigatórias pela autoridade policial.

 

Contudo, as requisições de diligências após a edição do Relatório Final do Inquérito Policial devem apresentar as seguintes características para serem reputadas legítimas:

 

a) Natureza Investigatória - consiste em diligências que devam ter a necessária intermediação da Polícia Judiciária, a quem cabe a exclusividade de atuação investigatória no Inquérito Policial.

 

b) Natureza Imprescindível para o Oferecimento da Denúncia - consiste na diligência que tenha como escopo a identificação da materialidade e autoria delitiva dentro do contexto investigativo

 

c) Domínio da Polícia Judiciária - consiste na diligência que tenha como destinatário final a Polícia Judiciária, devendo a requisição, caso assim não ocorra, ser encaminhada diretamente ao órgão que possua a informação, documento ou qualquer outro elemento de informação que seja pertinente.

 

Portanto, o panorama contemporâneo da investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, delineado pelo texto constitucional e pela Lei nº 12830/13, confere clara função investigatória à autoridade policial, com evidentes marcas de exclusividade, autonomia e discricionariedade.

 

Por outro lado, é dada ao Ministério Público uma função fiscalizadora, colocando-o como órgão de controle de legalidade da Polícia Judiciária, seja por meio do seu poder requisitório, seja por meio de manifestações posteriores às representações do Delegado de Polícia, emanados por meio de parecer.

 

Esta divisão de papéis, pois, é imprescindível para o desempenho de uma persecução penal em completa consonância com os mais basilares preceitos do Estado Democrático de Direito.


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